quarta-feira, 4 de outubro de 2017

livre

rasgue seu peito
e deixe vazar de si
todo o peso
que te puxa
pro fundo
do poço.

abra sua boca
e deixe escorrer
como veneno
o rio que transborda
e te afoga
por dentro.

com suas próprias mãos
descabele-se
como se cada fio de cabelo
fosse um pensamento
ruim
que te entristece.

deite de bruços
e revire-se até soltar
as quatro pontas do lençol
ou as correntes pesadas
e invisíveis
que machucam seus pulsos
te prendendo
onde você
não
quer
estar.

beba cerveja
ou vodca ou vinho
ou conhaque
até sentir-se alcoólico o suficiente
para pegar fogo
ao menor sinal
de um coração aquecido.

sente-se no azulejo branco
do seu chuveiro
e permita-se ser o clichê
onde suas lágrimas
misturam-se às gotas d'água
e você escorre de si
como uma cachoeira.

abrace seu travesseiro,
enfie o rosto no tecido macio
e grite até seus pulmões
pedirem pra parar.
até sua garganta queimar.
até a dor ser menos
e você ser mais
leve.


domingo, 1 de outubro de 2017

385 dias

São sete da manhã de domingo.
Faz pouco tempo que estamos dormindo. Minha cabeça descansa tranquila no seu peito, seus braços estão ao meu redor, exatamente como os românticos descrevem essa cena nos livros. Você tem a boca semi aberta, respira tranquilo e faz um burburinho baixo. Meu rosto está encostado na sua pele, porque gosto de dormir com o seu cheiro. Nossas pernas são um entrelaçado sem sentido, quente e confortável. Nós sempre dormimos assim depois do sexo. 
Meus olhos abrem de repente, atiçados pela luz do sol que atravessa a janela alta acima de nós. Não ouso me mover. Sua respiração tranquila é um ritmo doce, e não quero cortá-la. Fico ali, imóvel, esperando por algo. 
Lentamente, passo a mão pela sua barriga, suave, sentindo sua temperatura. Você é sempre quente. Brinco nos pelos do seu peito e vou subindo até a sua barba. Acaricio seu rosto e passeio meus dedos nos seus lábios separados. Amo sua boca, sempre amei. Volto a te abraçar, e num impulso, te puxo mais pra perto. O amor que sinto por você me preenche, e qualquer distância é sempre demais. 
Claro, você acorda. Olha para baixo e nossos olhos se encontram. "Bom dia", você sussurra, se virando e me abraçando forte. Viramos nossos corpos e minhas costas encostam no seu peito quente. Quente. Mesmo no inverno usamos poucos cobertores, porque dormir com você é como ter um aquecedor. Parece exagerado, mas sabemos que não é.
Quando nos acomodamos, com as pernas entrelaçadas e seus braços ao meu redor, puxo meu cabelo para longe do seu rosto. Você aproxima a boca do meu pescoço e me salpica beijos suaves, com gosto de ontem; aproxima o nariz da minha nuca e inspira com força, como se meu cheiro fosse físico. 

Meu Deus. Se eu fechar os olhos agora, posso sentir sua respiração no meu ombro.

Essas são as minhas lembranças mais fortes e claras. Sei seu cheiro de cor, lembro dos seus trejeitos, seus gostos, as manias, o jeito como você não gostava de por o lençol por baixo do edredom, e seu hábito de beber água quando acorda. O jeito como você me chamava de 'amor'. Os pelos do seu peito. Sua barba comprida que eu amava. Seu beijo. O jeito como você puxava meu lábio inferior pra chamar minha atenção. 

Caralho, era muito amor.
Ou tesão. Ou conexão.
Fosse o que fosse, era forte. Era muito.
Era intenso e era real.

Sinto falta da forma como você me amava.

domingo, 13 de agosto de 2017

Manual do relaxamento para momentos de crise existencial ou de ansiedade e talvez até de pânico

Primeiro, vá tomar um banho quente. Aqueça todos os seus membros pesados com a água corrente e se permita relaxar. Nem me diga, é quase impossível entrar num estado que não seja o de alerta total, mas você consegue. Respire fundo. Fundo mesmo. Sinta seu estômago inflar de ar, seus pulmões expandirem, sinta seu corpo recebendo oxigênio, sinta seu diafragma crescendo e diminuindo devagar. Sinta seu corpo... e não o odeie.
O segundo passo é lembrar que você é quem você é e não há nada nem ninguém que possa mudar isso. Você é a sua própria consciência, habitando esse corpo, pelo resto da sua vida. Respire fundo, sinta-se de novo. Mexa os dedos dos pés um por um, se puder.
Feche os olhos. Mergulhe nessa escuridão confortável, ouça apenas o som repetitivo da água batendo no azulejo. Abra a boca e puxe o ar. Sinta a umidade do chuveiro invadindo sua garganta e aquecendo você por dentro. Sinta seus ouvidos zumbindo e seu cabelo coçando. Sinta as juntas dos dedos das mãos comprimindo e tracionando quando você os mexe debaixo d´água. Passe as pontas dos dedos pelas suas unhas, depois passe as unhas pelos braços. Sinta suas mãos, molhadas e quentes, com calma. Isso tudo é você. Cada detalhe é você.
Depois, abra os olhos. Olhe para a sua barriga protuberante que te incomoda há anos, mas que você prefere manter, como uma velha amiga inconveniente, mas ainda sim, uma velha amiga (porque botá-la para fora e mantê-la lá daria muito trabalho). Olha para os pelos que você já não tira há algum tempo, e que cresceram bastante, e tudo bem. Olhe para as suas unhas dos pés, que estão precisando de um corte, e lembre-se de fazer isso mais tarde. Olhe para cada pedacinho de pele da sua cintura pra baixo, a vermelhidão que a água quente pode causar, as dobras dos seus joelhos. Concentre-se em você por um instante, e respire bem fundo outra vez.
Pegue seu sabonete e use-o para sentir seu corpo mais do que limpá-lo. Comece pelos seus pés, seus dedos, os vãos deles. Seus tornozelos, sua canela, sua panturrilha. Faça círculos nos seus joelhos com os dedos. Ensaboe suas coxas, uma de cada vez, na frente e depois atrás, com muita atenção. Passe a espuma pelas suas partes mais íntimas, e também nessa bela bunda que você tem. Antes de ensaboar sua amiga barriga, passe o sabonete pela sua lombar e perceba como massageá-la levemente te ajuda a relaxar. Sinta seus músculos.
Mova suas costas sob a água quente. Sinta suas omoplatas e movimente-as como puder, talvez fazendo movimentos circulares com os ombros. Faça uma boa quantidade de espuma e massageie esses ombros cansados, que carregam toneladas invisíveis. Desça até suas costas, o quanto alcançar. Passe as mãos pela nuca, massageie sua coluna. Tudo devagar. E lembre-se de respirar.
Esfregue seus braços, os cotovelos, todo seu antebraço, seus pulsos, seus dedos das mãos, um por um. Abra e feche as mãos algumas vezes, sinta todas as suas juntas. E não esqueça dos sovacos. 
A essa altura, você já deve estar se sentindo um pouco melhor. 
Lave seu peito, com carinho. Se forem seios, mais carinho ainda. Com quaisquer defeitos que você possa atribuir à eles - pequenos demais, grandes demais, com estrias demais, sensíveis demais -, são seus. Cuide deles. E depois, esfregue seu pescoço. É ele quem sustenta essa cabeça cheia de problemas e pensamentos, imagina só o trabalho que isso dá. Esfregue com delicadeza suas orelhas, sejam elas grandes, pequenas, de abano, com muitos piercings ou sem furo algum. 
Agora, ensaboe seu rosto. Seja gentil. É você, sempre será você, então é melhor cuidar do cartão de visita. Massageie as bolsas que você carrega debaixo desses olhos cansados. Sinta suas bochechas, sua testa, sinta suas têmporas. Massageie. Devagar e com muito cuidado. Esse é o seu rosto. Passe pelo queixo, pelo nariz, e por essa parte onde crescem os bigodes. Alise suas sobrancelhas, feche os olhos e deixe a água correr pela sua pele. Respire fundo.
Continue respirando fundo. 
O vapor está inflando seus pulmões.
Você está vivo.

As coisas não vão melhorar magicamente depois desse banho. Seus problemas não vão desaparecer. As soluções não estarão esperando por você em cima da mesa, e não chegou nenhum cheque milionário no seu nome pelo correio. A única coisa que pode acontecer é você se permitir tomar uma distância para observar o que quer que esteja acontecendo. Respire. 
Oxigênio nos pulmões, espaço na cabeça. 
E segue o baile. 

quinta-feira, 20 de julho de 2017

game over

Te mandei mensagem na madrugada. Talvez já seja hora de eu entender que isso tem significados muito diferentes para você e para mim. Geralmente estou procurando uma foda de fim de noite; não quero bater papo, quero um sexo conhecido e carinhoso, que não me dê dor de cabeça no dia seguinte. Você... você quer tudo isso, mas também quer a mensagem de manhã, saber do meu dia, puxar assunto. Você quer me contar como estão as coisas, quer que eu veja o quanto você mudou, como está melhor; como está feliz, se dando bem no emprego novo, todo empolgado com mais um curso que começou nessas férias. E sinceramente, eu entendo. Às vezes (muitas vezes, admito) quero te ligar e te contar como estão as coisas, meus problemas, a forma como comecei a procurar saídas inexistentes em drogas e sexo, e como tudo que eu amava deixou de existir. Não tenho coisas boas pra te contar. Nenhuma. Talvez tenha um desenho novo que fiz e gostei e queria te mostrar.

Então, quando eu te mando aquela mensagem às três da manhã, já completamente bêbada e carente, você deveria me ignorar. Isso seria a coisa mais sensata a se fazer, te juro, porque não sou eu. A pessoa que você amava, não sou mais eu. A garota por quem você se apaixonou, de quem você cuidava, que te apoiava e te dava força, ela não existe mais. Eu a afoguei em conhaque e cerveja, a sufoquei com cigarros roubados, queimei seus restos numa fogueira alta junto com todas as nossas boas memórias. E se isso te deixa triste, há pouquíssimo para se fazer a respeito. Quando decidi acabar com ela, eu já sabia que nossas lembranças queimariam também. Nossos bons momentos, o carinho que supria por você. Tudo isso acabou.

É claro que ainda te quero bem. Quando você me conta da sua vida, eu só sei sorrir. Fico genuinamente feliz por tudo que você está conquistando, mas... já não sei mais o que dizer. É difícil ver meu mundo desabando enquanto você constrói castelos com seus entulhos. Tudo isso é difícil demais pra mim.

Quando eu te ligar às três da manhã de uma quinta-feira, não me atenda. Por favor, me ignore. Não me responda tão caloroso e rápido, tão disposto como você faz. Não me convide pro seu quarto, onde entramos na ponta dos pés para não acordar ninguém, e então fazemos um delicioso sexo silencioso, cheio de significados, cheio de palavras abafadas, sempre com aquele tom de amor que existe em nós desde a primeira vez. Por favor, não me cubra e me abrace forte do jeito que eu mais gosto, me aconchegando no conforto dos seus braços e me ninando. E quando meu despertador tocar, avisando que já está quase amanhecendo, não insista para que eu fique, porque está frio e você ama dormir sentindo meu cheiro. E depois, não me acorde com beijos quando o sol já raiou, só para me lembrar que embora você não queira, preciso ir embora. 

Sinceramente, já fui uma pessoa maravilhosa, por quem você poderia ter se apaixonado perdidamente - e de fato, se apaixonou. Mas hoje... hoje sou as cinzas dessa pessoa especial que fez tanto por você. Hoje só carrego marcas e mais marcas de dores que nunca prometi aguentar. Não tenho mais nada para oferecer à ninguém, especialmente à você. Tudo que eu fiz por você, você já fez por mim. Nesse jogo estamos quites. Talvez seja hora  de reiniciar.

sábado, 24 de junho de 2017

Inteira

Só me sinto metade.
E por isso essa busca incessante
por alguém que sem motivo
complete o que falta
e faça de mim o restante
de algo.

Não sou só metade.
Sou inteira, um completo,
ambas as partes de um inteiro.
É um crime se sentir incerto
num mundo de certezas
tão amplas.

Preciso me encontrar
como Cartola precisou,
como buscam todas as pessoas
embora nem todas admitam.
Encontrar em mim mesma
o pedaço que falta.

Chega dessa procura
que não é mais que uma mentira.
Chega de meias verdades,
meios amores cheios de maldade.
Se a alma se cansa
estou onde ela busca repouso.

[Tão jovens, tão lúcidos,
tão cientes de tudo que é pútrido
nesse mundo absurdo.
Precisamos fugir de nós
e talvez por isso
sejamos tão sós.]

Porque apesar de sermos inteiros
buscamos a fuga no outro,
a solução que está aqui dentro
a gente procura do lado errado,
a gente procura lá fora,
entre outras cascas mortas.

Que eu seja feliz,
que eu seja plena,
e que não demore a ver
que não preciso de ninguém
para me fazer sentir
inteira.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

um começo pra 2017

Olhando pro alto, eu mirava um céu tão estrelado quanto aqueles que se vê em fotografias, mas que não temos certeza se são reais. Você me fazia rir, falando sobre as luzes piscando no horizonte, as quais éramos criativos para explicar. Enquanto acariciava minhas pernas, sem me olhar nos olhos, contava sobre qualquer coisa que eu perguntasse. Me explicou suas gírias estranhas e seus trejeitos, foi sincero sobre suas ideias, me deixou entrar. Passava a mão na minha nuca e me beijava com uma suavidade curiosa. Ali, encostada no capô do carro, com toda sua altura e seu corpo quente encostado em mim, percebi que nada em você  me parecia novo. Curiosamente, me fez sentir em casa. Falar sobre como sinto saudade daquele horizonte montanhoso e ver você concordar que aquela é a melhor cidade do mundo me fez rir, como quase tudo que você dizia. Isso é tão bom. Senti muita falta de conversas sinceras e momentos plenos como aquele que você me proporcionou. 

Confesso, quando cheguei na frente da sua casa e te encontrei de camisa e short, todo calorento naquele frio noturno de uns quinze graus, me senti estranha. Estava ansiosa e meu estômago dava voltas e voltas porque, pra mim, aquilo era importante, e pra você... não parecia tanto. Sua companheira carinhosa pareceu feliz em me ver - aliás, bem mais que você. Claramente eu gosto mais dela, você já sabe disso. Fiquei concentrada em fazer carinho naquele pelo branco até que me sentisse segura pra te olhar nos olhos. Aliás, você provavelmente não faz de propósito, mas não me olha nos olhos. Talvez tenha medo, não sei dizer. Parece concentrado em se esconder. Tem seus motivos, tenho certeza. E quando te mandei vestir uma blusa e você, a contra gosto, foi, me senti a irmã mais velha que sou. E isso me lembrou dos poucos anos que separam nossas idades. Por que isso me parece tão relevante, quando na verdade não significa nada? Sei lá. Você pareceu não se importar com isso muito mais que eu. 

Não demorou um minuto pra começarmos a conversar porque, curiosamente, nós nos entendemos melhor pessoalmente. Me contou do outro dia em que nos vimos mas não nos encontramos, pois você estava em outro universo, e eu, não. Normal, é claro. Você costuma viajar muito nas noites dos finais de semana (e em outras também, suspeito). Te contei que te observei a noite toda, e você me surpreendeu ao dizer que também me viu. Curioso, porque me sinto invisível pra você, e não costumo me sentir assim com frequência. Tem algo em você que me subjuga, de alguma forma.

Depois, quando já não estávamos mais ali, mas sim no escuro, cercados apenas pelas árvores e a luz forte de um luar amarelado, também conversamos sobre encontros anteriores. E qual foi minha felicidade quando você elogiou meu vestido, justo naquela noite em que você era tudo que eu enxergava, mesmo entre tantas pessoas, mesmo entre tantas loucuras. 

Parece que eu tô apaixonada, né não? Mas não tô. É muito mais físico que isso.

Tem alguma coisa nesse teu rosto moreno que me deixa insana. Não adianta, eu não sei responder quando me pergunta o que foi que eu vi em você. Só sei que sinto como se fosse um imã gigante e delicioso, me puxando pro seu abraço macio e aquecido. Quando botei meus olhos em você, me senti uma predadora escolhendo o que abater pro café da manhã. Violento assim. Necessário assim. E foi por isso que insisti tanto pra esse encontro, que não me deixou decepcionada. Valeu cada segundo de áudio, cada momento em que tive certeza que você estava me dando os maiores bolos da vida. Seu beijo e suas mãos no meu corpo valeram cada segundo que esperei.

Tô escrevendo isso aqui pra te contar esses detalhes. Te contar que sua barba é macia e fez cócegas no meu rosto, e que suas unhas nas minhas costas me arrepiam até agora. Sua energia me tomou e me entreguei praquele seu jeito tão doce... que, devo dizer, me surpreendeu. Quem diria que alguém com um semblante tão arisco seria tão suave em todo seu toque, nos trejeitos, na voz. Que me beijaria com tanta vontade e que, mesmo a contra gosto, deixaria escapar que estava feliz por estar ali comigo - por aquele momento. Demorei pra acreditar que você também queria estar ali. Que aquele momento estava sendo tão delicioso pra você quanto pra mim. E qual a minha surpresa ao perceber que nossas conversas, intercaladas com nossos amassos, me faziam rir genuinamente. Você arrancou de mim um suspiro de alegria que há muito eu mesma não ouvia. Me fez esquecer meus problemas, minhas preocupações, esvaziou minha mente e a preencheu com carinho e riso. E tesão, acho bom dizer.

Agora já estou de volta à minha rotina. Dói voltar pra cá depois de passar uns dias em casa, é normal, mas dessa vez parece que eu tenho um motivo pra sobreviver e voltar. Tenho um riso pra encontrar, um amigo pra me receber, conversas bobas pra por em dia... e luzes no céu pra observar. 

Obrigada por esse sopro de vida, e venha logo. A gente tem uma cerveja pra dividir. 

domingo, 23 de abril de 2017

Inveja

Finalmente, começo a me sentir sozinha.
Vi um casal novo, comemorando os primeiros dias
quando os enfeites sobrepujam os defeitos
e ainda nos vemos como queremos ver,
sem pensar muito nos depois, nos por quês.

De todas as coisas que me machucam,
um pouquinho é sempre esse medo complicado,
que vem atrelado à relutância de um novo agrado,
muito embora a certeza de um futuro
esteja vindo na carona. É bizarro.

Quando me permito sentir as dores
que enterrei tão fundo nas minhas entranhas,
percebo que já não há mais nada para amar,
para permitir, para deixar, para exibir,
já não há mais nada aqui dentro de mim.

Que dor incômoda perceber que uma parte de mim
morreu junto com o que nós éramos,
com tudo aquilo que fomos, com o amor que vivemos,
com os sonhos que tivemos, com a vida
que nunca viveremos.

Tão amargo se encarar no espelho e ser incapaz
de reconhecer o olhar pesado e infeliz
que te observa de volta. Duro e amargo,
impessoal, estranhamente desconhecido,
já sem riso, já sem vida, já sem sonhos.

Seria um amor de juventude assim tão forte,
capaz de quebrar algo tão importante assim
que sou incapaz de consertar dentro de mim?
Que me tornou incompleta, que me deu defeito
e que se sobrepôs ao meu próprio desejo?


23.04.17