segunda-feira, 5 de julho de 2021

caos

 Por dentro sou um buraco negro;
cheio e vazio ao mesmo tempo.

Falsa, minto sentimentos confortáveis
que me deem as desculpas necessárias.

Me escondo nas sombras do meu peito
entre dor crônica e um coração partido ao meio.

Das vergonhas que carrego, todas autorais,
me perco e engano sobre as origens.

Impossível decifrar meus próprios olhos,
mordidos de tempo, um relógio enferrujado...

...dando a hora errada para acalmar o peito,
fingindo encontrar saída desse labirinto.

Me colocam de frente para o espelho
e gritam que me reconheça.

A verdade simples é que não quero,
sabendo que meu passado é tão feio.

Seria eu tão vilã quanto acusam 
as vozes na minha cabeça?

Dizem que sou maquiavélica,
enterrada em má vontade,

negando meu sangue, sem dividir meus méritos,
defendendo apenas a metade que me cabe.

Não sei de quem tanto falam,
mas noto que a odeiam.

Não tem qualidades e por esse defeito
não merece qualquer afago.

Posso ser eu, mesmo que não reconheça esse rosto
que chora lágrimas pesadas de esforço.

assimetria

você gosta da métrica,
se satisfaz com pares, rimas,
com regras e sentidos,
alegremente refém voluntário
de dogmas linguísticos
que nada combinam
com suas emoções espontâneas.

na contramão
te ofereço palavras cortadas
— daquelas que você repudia —,
talvez como crítica,
talvez com comicidade.
qualquer que seja
sua resposta, sorrio.

*

não ouso afirmar,
mas existem evidências
indicando que talvez
minha companhia seja bem-vinda
e talvez, apenas talvez,
eu não precise fugir;
talvez possa ficar.

paciente, observo atenta
palavras de luxúria
escorregando da sua língua
até meus ouvidos
e, claro, arrepio. 
seu murmúrio faz tremer
cada átomo de mim.

minha pele me delata
e, completamente exposta,
não tenho defesa concreta.
seus olhos inocentes
não enganam minhas entranhas;
me desfaço como lava
em suas mãos.

mas não importa
quão confortável eu esteja,
quão aconchegante você seja,
quão segura me sinta
quanta dedicação me devote,
você é um porto;
eu, rota de fuga.

incompatíveis de tantas formas
que me surpreendem
os risos compartilhados,
as confidências acobertadas,
pequenas similaridades
e algumas coincidências.
seria possível? (não.)

o que não surpreende
é o encaixe perfeito,
milimetricamente preciso
dos nossos corpos quentes.
feito sob medida
para me fazer esquecer
cada sobrenome que tenho.

e quando me beija
com força e desejo,
a língua úmida 
passeando na minha,
me lembro que 
nada importa 
além de nós.

nesses momentos
não há passado, futuro,
diferença, lembrança ou esquecimento.
não há proximidade suficiente
que cesse o desejo.
meu corpo clama
e você, nobre, atende.

faço bom uso,
guardando detalhes,
agradecendo silenciosa
a oportunidade de sentir
seu calor matutino
despertando minhas friezas,
sempre surpresa.

espero ter tempo para
te entender (melhor),
te sentir (por completo),
te enxergar (por dentro)
e me despedir (pacífica);
para partir em paz,
sem querer voltar.

que, assimétricas,
nossas diferenças
nos completem
e fortaleçam aquilo
que já sinto
por você
há tanto tempo.