quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sol

Eu ouço o pio baixo de passarinhos; tenho certeza de que são pequeninos. Um ventinho agudo entra pela janela agora aberta, e eu espero o sol invadir a minha cama. As paredes altas dos vizinhos não me impedem de esperar que o sol me alcance. Eu estou no aguarde, três, dois... Vem, sol. Vem esquentar a minha cama. Vem me mostrar que tudo o que eu digo é verdade, que depois de uma noite lenta e triste sempre há um sol que vem para iluminar e animar. Ainda estou esperando. Nesses momentos que antecedem o nascer do sol, momentos tão raros na minha vida de preguiçosa dorminhoca, posso pensar em mais ou menos vinte e tantas pessoas com quem eu gostaria de dividir esse pequeno e singelo instante de paz. Amigas, amigos, paixonites, amores, família. Consigo pensar em tantos nomes e tantos rostos e tantos sorrisos e tantas risadas e tantas conversas e... ei, lá vem. O sol. Lindo, majestoso, um leão de juba loura e densa que ilumina, aquece, protege. Vem, sol. Mostra a tua glória para a humanidade. Agradeço silenciosamente ao Deus em que eu acredito por esse pedacinho de paz à mais que estou recebendo. Um jato atravessa o meu céu azul, deixa um rastro branco; uma estrela cadente na minha manhã. O sol vai nascer. Logo. Corro para o segundo andar, e voo para a varanda. Só posso ver a luz amarelada do nascer precoce do sol. São 6h33min da manhã. Agora. Lá vem. Fico ansiosa: e se o sol não nascer? Permito um momento de reflexão à minha mente sem descanço - um mundo sem sol, sem luz, sem calor, sem nad- Um pássaro. É preto e azul, e olhou para mim. Olhou direto para mim. Nos meus olhos. Armada da câmera, tiro uma foto. E então outra. O pássaro parece fazer pose para as minhas lentes, e eu dou corda. Duas, três, dez, dezesseis. Dezesseis fotos de um pássaro azul e preto, com olhar cativante. Ele voa, me deixando sozinha com o sol que não vem outra vez. Uma rajada de vento frio me faz estremecer; corro para dentro em busca de alguma coisa, talvez um cobertor. Me contento com um edredom (considerando que é o quarto do meu irmão, é um achado!). Continuo esperando pelo sol, mas ele não vem. Desisto, porque o vento está mais forte e mais frio do que eu posso combater com meu ralo edredom de nailon. Desço as escadas com menos cuidado do que subi. Volto ao quarto e continuo na espera.
Gasto quase 15 minutos fazendo nada no computador, quando finalmente a luz que atravessa a janela fica forte o suficiente para chamar minha atenção. Dessa vez é ele. Tenho certeza. Desesperada por um pouco de emoção antes que acabe caindo no sono, ponho a câmera no pescoço, abro os vidros e pulo a janela. Caminho no concreto gelado (frio! frio! frio!) e vou até metade do quintal. O sol está ali, uma cabeleira loura na vala entre duas montanhas. A vista é inacreditável. Quantas pessoas não passam a vida toda sem ver algo assim?, me pergunto. Milhares. Milhões. Tiro uma foto. Não há sol suficiente, ainda.
Finalmente o sol aparece. Uma aura dourada, brilhante e quente envolve o círculo de fogo. Fogo. É isso que o sol é, certo? Fogo.
Decido que, depois de correr atrás do nascer do sol, é melhor me levantar. São apenas sete e pouco da manhã, e eu devia estar dormindo, mas não há sono. Há apenas um pouco de sede, alguma fome e muita paz.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Charlie (Um, Dois, Três Contos Sem Fim)

Era noite de terça-feira, e lá ia eu. Dia de jogo, eu precisava assistir o meu amado Browns vencer. Com essa vitória, era líder do campeonato com 5 pontos de distância do Dark Bulls, segundo colocado. Eu precisava da vitória para ganhar a aposta com Sony, ou eu estaria devendo oficialmente três caixas de Guiness para um velho grisalho.

Entrei no Poney Town – pois é, o nome é definitivamente estúpido –, e dei de cara com um bando de quarentões gorduchos com os olhos esbugalhados, colados na tela da plasma 42’ pendurada bem em cima da placa que dizia Não assiste se não beber!. Judy, a barman, estava ocupada com um monte de louça da hora do almoço que alguém (provavelmente Lewis, seu marido) não lavara. Me lançou um alô com um aceno e um sorriso desesperado. Sentei então em um dos bancos altos de couro, e apoiei os braços na bancada de madeira velha. Ao meu lado, em uma fila perfeita em ordem decrescente, quatro gorduchos não desgrudavam os olhos da tela da TV. Eu os conhecia: Philip, John, Kurt e Alguma-Coisa Paul. Eram loucos por futebol quase tanto quanto eu, mas gostavam mesmo era de F1. Estava passando a final do GP da Irlanda e, como provavelmente eram pobres demais para conseguirem voar para Dublin para assistir a corrida, estavam ali, no Poney Town, cada um com sua respectiva Guiness, os quatro quase chorando. Não faço idéia de quem ganhou, mas com certeza não era o cara pra quem eles estavam torcendo.
– Alemães filhos-da-puta! – gritou Kurt, exasperado. Era o que estava mais longe de mim, logo na outra ponta. Era baixinho, baixinho mesmo, e definitivamente engraçado. O rostinho redondo ficou vermelho quando ele gritou, as perninhas esticadas como palitos de dente fincadas numa batata gorda. Dei uma gargalhada silenciosa.
Nenhum dos companheiros do Palitos na Batata deram qualquer opinião, mas fiquei com pena de todos eles; pareciam arrasados, como se eles mesmos tivessem perdido a corrida, cada um em seu carrinho à jato.
Me sentei ao lado de Philip, o único dos quatro que eu realmente conhecia, porque era amigo de Sony.
– Ei, Phil – cumprimentei. – Sinto muito pela corrida. Vamos ganhar a próxima?
Nai – respondeu, desanimado. – Somos péssimos.
– Veio ver o jogo, Charlie? – perguntou John, quando eu não respondi Philip.
– Vim assistir a vitória do Browns – respondi, sorrindo. – Os Bulls estão péssimos, então se ganharmos do Tirany hoje, garantimos o campeonato. Vai ser demais.
– Charlie, querida, eu não queria te dizer isso, mas os Browns não vão ganhar! Claro que não vão! – gritou Sony, entrando no Poney Town. Nada melhor do que a companhia do seu pai, que torce para o time adversário, dentro de um bar que ele mesmo lhe ensinou a freqüentar.
– Sony – eu já não o chamava de pai há algum tempo –, eu sinto muito mesmo, mas acho que agora sim, você pirou. Os Bulls estão terríveis, não existe a menor chance de perdermos hoje e, mesmo que os Browns percam (o que é impossível),vocês precisam de cinco pontos para terem chance de vencer.
– Apenas cinco pontos. Com a sua derrota hoje e a nossa vitória amanhã, a distância será de dois pontos. Vai ser fácil.
Nem preciso dizer que o Browns perdeu, o Bulls ganhou no dia seguinte e acabou vencendo o campeonato.

Mas eu devo as caixas de Guiness à Sony até hoje. Não pretendo pagar.

Dose de conhaque

Quando Johna entrou naquele boteco de esquina com seu salto 12cm e seu cabelo louro natural, os olhos azuis piscando através dos óculos de grau Gucci, honestamente, quase ninguém à notou. Os homens ali não estavam atrás de uma bela mulher, mas de uma bela dose de algo forte o suficiente para fazer com que sua memória falhasse e eles tivessem momentos de paz interior, só isso.
Johna só foi notada depois da quarta dose de conhaque com limão; sentada na bancada, lendo um livro grosso - talvez 600 páginas? - e tomando suas doses em goles rápidos e curtos. Vladmir (um clichê), o dono do boteco, resmungando em russo, pediu que ela tomasse cuidado. Não gosta mulher aqui, mas não vai mandar embora, ele resmungou. Não fica ruim, que eu ponho para fora então. Johna levantou rapidamente os olhos do livro e encarou Vladmir por mais de cinco segundos. Todos os outros sete homens sentados na bancada pararam com seus copos à meio caminho da boca para observar o desenrolar daquele momento de tensão. Vladmir, quando finalmente se deu conta de que não era apenas uma garota no bar, quis recuar, mas não havia mais tempo. Johna, então, para alívio geral, sorriu e disse: "Não se preocupe (risadinhas). Estou acostumada à esse tipo de tratamento, mas cresci num boteco de quinta categoria muito pior que esse (sorriso simpático). Estou bem e não vou causar problemas."
Desnecessário contar que os sete homens no balcão se aproximaram dela, o que não surpreendeu a nossa jovem amiga, mas a deixou chateada. Queria mesmo terminar aquele livro ainda aquela noite, antes de voar de volta para casa; mesmo assim, fechou seu romance, sorriu e respondeu à todas as - poucas - perguntas. De onde viera, onde crescera e principalmente como assim crescera num bar de pouca categoria, que tipo de moça bebia conhaque, e outras tantas que nem se lembra. Respondeu o que pode, tentando dizer a verdade. Os sete se cansaram de Johna quando ela estava na décima sexta dose, acredite se quiser. Começava a sentir a perna balançar mais do que devia, e fechou a conta. Vladmir foi justo, nem quis cobrar o serviço. Estava orgulhoso dessa moça desconhecida que bebia como um velho cego amigo seu - e seus olhos azuis lhe lembravam tanto o amigo, que o coração do velho Vladmir bateu mais rápido. Ô, saudade. Pagou a conta com mais dinheiro que o necessário, deixou o troco e saiu trotando em direção ao aeroporto.
No táxi, leu as 48 páginas restantes do romance que carregava. Como previra, o mocinho não era bom, o violão era mocinho e o pai da mocinha era amigo do vilão (do vilão mesmo, não do vilão mocinho). A mãe morreu para dar o tom trágico, o pai na verdade não era pai coisa nenhuma (filha do mordomo, de praxe); casou-se com o vilão que era mocinho e viu o mocinho vilão ir para cadeia com o pai de mentirinha. Tudo nos conformes, como Johna já sabia que seria. Fechou o livro com calma, e o guardou na bolsa pequena que carregava. Tentou cochilar até chegar ao aeroporto, mas esse tipo de cidade (grande, cheia de luzes, viva 24h por dia) não permitia um sono leve à ninguém, nem à Johna. Então ela se encostou no próprio ombro e apenas fechou os olhos, esperando seu destino chegar finalmente.
O voo foi tranquilo, a viagem até o hotel, mais ainda. Porém, quando finalmente se deitou, às quatro da manhã, um desespero chegou e se sentou no pé da cama de casal onde ela dormia sozinha.
Vou me casar. Vou me casar. Vou me casar. Vou me casar. A frase ecoou como um grito surdo e inacabado na cabeça de Johna. Não podia acreditar. Ela ia se casar dali uma questão de horas. Horas. Logo, logo seu futuro marido chegaria para pegá-la no hotel, e eles rumariam para a suíte presidencial de outro hotel, um mais próximo da praia onde a cerimônia aconteceria. Deus do céu, eu vou me casar, ela concluiu, sem saber se isso que sentia era alívio, dor, constrangimento ou desespero. Talvez, apenas talvez, fosse felicidade. Não, não. Felicidade não deixava esse gosto amargo em sua boca, nem essa sensação de mastigar metal quente. Felicidade a deixava relaxada, não estática.
Vou me casar.
Vou me casar.
Mas não quero me casar, diabos.
Virou-se para o outro lado da cama. Há anos que esse lugar era ocupado pelo mesmo homem; o homem por quem Johna era apaixonada. Era? Ou ainda é? Ainda é, com certeza. Ela amava Brian. Amava muito. Então, por que não queria se casar? Na verdade, estavam ótimos como namorados, eternos e tenros amantes, vivendo debaixo de cobertas quentes e à base de filmes românticos com sorvete de menta. Por que casamento? Por que agora? Ela não estava pronta.
Johna então só pode pensar em um lugar para estar: no boteco de esquina do qual saíra há algumas horas, onde tomava doses de conhaque e respondia perguntas fáceis. Era disso que ela precisava: uma dose de conhaque. Só isso. Nada de decisões, casamentos, nada de Brian. Apenas... conhaque.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Jogo

Eu sinto desejo, como todo mundo
e só eu te vejo nesse filme mudo.
De lá pra cá, de cá pra lá
por todo e qualquer ângulo.
Rapaz, eu já decorei o teu sotaque fanho
e eu já não te acho mais tão estranho.
Suas jaquetas de couro eu já contei
e a sua resposta-base pra tudo é "Eu sei".
Acredite se quiser, eu te conheço,
meu caro rapaz, eu sei que não pareço
esperta, mas eu sou.
E embora eu tenha ido, você se esquivou
e me seguiu.
E foi atrás de mim, servil.
Me espera entregar o jogo,
não tenta tirar de mim
a única coisa que eu só perco se disser "sim".

Curto, prático. Um pensamento sem muito nexo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Lugar-perfeito 3D

Com as minhas canetinhas coloridas, eu pintei meu próprio lugar-perfeito. Era em 3D, eu podia tocá-lo. Não com as mãos, mas com a mente. Era palpável, para mim. Era real. Um lugar onde eu podia gritar e fazer escândalos, e passar vergonha, e não me envergonhava. Eu me sentia sempre tão...
Daí esse lugar-perfeito foi se transformando. Conforme acabava-se a tinta das minhas minhas canetas e eu comprava novas; porém, a tinta nova era mais gasta e sem-graça, não tão viva, nem tão linda. Parava de parecer um sonho, e passava a parecer-se mais e mais com a minha realidade. A minha fuga virou-se contra mim, transformando-se, insolente, na minha vida. Não procuro pela verdade, garanti-lhe. Procuro por algo diferente do que vejo sempre. Ao contrário do que pensei que fariam (eles, não sei bem quem, mas eles) não me justificaram uma única vírgula. Continuaram a produzir canetinhas não tão lindas nem tão coloridas, as quais me chateavam cada dia mais. O que era meu mundo mágico em 3D tornou-se uma chata realidade em 2D. Essa foi minha sorte; estava apenas no papel. Conforme perdeu a cor, minha verdade imaginária perdeu também a chave da minha cabeça, e aquilo que eu tentava fazer parecer-se com meus sonhos passou a prender-se ao papel apenas. Longe de mim. Cada dia mais longe de mim.
E eu escondendo de mim mesma a tristeza cada dia mais forte pela falta de uma fuga. Sabe, é importante ter um lugar para o qual fugir. Importante demais. Não se pode viver apenas na realidade, porque a realidade é perigosamente maçante. Não importa o quão agitada é a sua vida, sempre será maçante o suficiente para matar-lhe os sonhos. E não discuta. Sabe que é verdade.
Não podemos, simplesmente não podemos sonhar e transformar estes sonhos em realidade o suficiente. Não podemos. Jamais poderemos. A canetinha colorida vai acabar, e acabará por transformando-se em apenas um modo de passar seu desespero em 2D para o papel. Você aliviará sua garganta sufocada, só isso. Continuará sem seu lugar-perfeito, mas terá uma chata realidade transcrita no papel.

(Sem revisão.)