quarta-feira, 2 de março de 2022

tempo é tempo

Beijar os nós dos seus dedos é meu bom dia favorito.
Você sorri com o canto dos lábios, a barba começando a crescer,
fazendo cócegas quando me aperta com o rosto,
um carinho desses que vou custar esquecer.

Fujo dos seus olhos porque são honestos,
enxergam mais do que quero que você saiba;
embora, no jogo limpo, você já tenha descoberto
as chaves de todas as portas e janelas que mantive trancadas.

*

A rotina se constrói com tanta naturalidade
que meu peito se enche de afeto,
mesmo encoberto pelo medo irracional
de te ver partir.

O tempo é tempo, sabemos, e repetimos,
mas eu sou apenas humana, falha e incorrigível,
traumatizada e fragilizada demais
para acatar as letras doces das suas palavras de carinho.

Mesmo com suas mãos segurando meu rosto
jurando que me quer por perto,
é difícil demais acreditar que você me escolheu
para encaixar perfeitamente no teu abraço.

Para dividir teorias de física quântica, 
pipoca, doces, o lençol e a cama,
histórias, piadas, risadas, algumas lágrimas,
dores, confissões e as delícias [indizíveis] da madrugada. 

E mesmo que eu não acredite,
mesmo que resista, que negue, que tente fugir,
segura meu rosto nas suas mãos de novo, me acalma e
por favor, não me deixa ir. 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

unspoken

I bumped into
a new word:
pareidolia. 

A psychological phenomenon
that you would like to know about.
It’s when your mind tricks you,
turning something random
into familiar or meaningful. 

I have seen it in images, 
paintings meant to baffle your eyes,
but I never thought 
I’d feel the effects of
apophenia* in my heart.

Happens once in a while: 
when seeing your hands
and I picture them holding mine.
You say “come over”
but I hear it otherwise.

Happens when you say
honest, nice things about me,
but as I can’t acknowledge them,
I turn your compliment 
into a joke, laughing it off.

It is not new to me
*this habit of building patterns,
making stuff up to myself.
I wish I wouldn’t do that about you, though;
I wish the signs were actually there.

Maybe one day
you’ll say you like me
and I won’t turn that into a secret message
filled with unspoken words
that must be cracked.

Maybe one day
you’ll say that you like me
and I’ll take your words with care,
place them in the right spot
and melt to the warmth they exhale. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

fall in love with you

 Falling in love with you 

would kill me. 

Kill me in such a soft, harmless way 

it would be hard for me to acknowledge 

my own death. 


Falling in love with you 

would ruin me. 

And my defeat would be lovely, 

matching my fearless eyes, 

grateful for the opportunity. 


Falling in love with you

would tear me down. 

And shit, it took me so long 

to grow back since the last time...

I'm still trying to figure it out.


Falling in love with you

is a mistake.

You'd say "no", I'd say "bye",

I would lose you, you would hurt me, 

and it would burn that bridge. 


If I can state all that,

if I know the truth,

if my eyes get to see 

the end of the road,

why do I have to love you? 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

caos

 Por dentro sou um buraco negro;
cheio e vazio ao mesmo tempo.

Falsa, minto sentimentos confortáveis
que me deem as desculpas necessárias.

Me escondo nas sombras do meu peito
entre dor crônica e um coração partido ao meio.

Das vergonhas que carrego, todas autorais,
me perco e engano sobre as origens.

Impossível decifrar meus próprios olhos,
mordidos de tempo, um relógio enferrujado...

...dando a hora errada para acalmar o peito,
fingindo encontrar saída desse labirinto.

Me colocam de frente para o espelho
e gritam que me reconheça.

A verdade simples é que não quero,
sabendo que meu passado é tão feio.

Seria eu tão vilã quanto acusam 
as vozes na minha cabeça?

Dizem que sou maquiavélica,
enterrada em má vontade,

negando meu sangue, sem dividir meus méritos,
defendendo apenas a metade que me cabe.

Não sei de quem tanto falam,
mas noto que a odeiam.

Não tem qualidades e por esse defeito
não merece qualquer afago.

Posso ser eu, mesmo que não reconheça esse rosto
que chora lágrimas pesadas de esforço.

assimetria

você gosta da métrica,
se satisfaz com pares, rimas,
com regras e sentidos,
alegremente refém voluntário
de dogmas linguísticos
que nada combinam
com suas emoções espontâneas.

na contramão
te ofereço palavras cortadas
— daquelas que você repudia —,
talvez como crítica,
talvez com comicidade.
qualquer que seja
sua resposta, sorrio.

*

não ouso afirmar,
mas existem evidências
indicando que talvez
minha companhia seja bem-vinda
e talvez, apenas talvez,
eu não precise fugir;
talvez possa ficar.

paciente, observo atenta
palavras de luxúria
escorregando da sua língua
até meus ouvidos
e, claro, arrepio. 
seu murmúrio faz tremer
cada átomo de mim.

minha pele me delata
e, completamente exposta,
não tenho defesa concreta.
seus olhos inocentes
não enganam minhas entranhas;
me desfaço como lava
em suas mãos.

mas não importa
quão confortável eu esteja,
quão aconchegante você seja,
quão segura me sinta
quanta dedicação me devote,
você é um porto;
eu, rota de fuga.

incompatíveis de tantas formas
que me surpreendem
os risos compartilhados,
as confidências acobertadas,
pequenas similaridades
e algumas coincidências.
seria possível? (não.)

o que não surpreende
é o encaixe perfeito,
milimetricamente preciso
dos nossos corpos quentes.
feito sob medida
para me fazer esquecer
cada sobrenome que tenho.

e quando me beija
com força e desejo,
a língua úmida 
passeando na minha,
me lembro que 
nada importa 
além de nós.

nesses momentos
não há passado, futuro,
diferença, lembrança ou esquecimento.
não há proximidade suficiente
que cesse o desejo.
meu corpo clama
e você, nobre, atende.

faço bom uso,
guardando detalhes,
agradecendo silenciosa
a oportunidade de sentir
seu calor matutino
despertando minhas friezas,
sempre surpresa.

espero ter tempo para
te entender (melhor),
te sentir (por completo),
te enxergar (por dentro)
e me despedir (pacífica);
para partir em paz,
sem querer voltar.

que, assimétricas,
nossas diferenças
nos completem
e fortaleçam aquilo
que já sinto
por você
há tanto tempo.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

aguardado

 Se dobra sobre mim com a delicadeza das folhas de uma palmeira soprada pelo vento; todos os movimentos suaves e majestosos, lentos e contínuos, os quais observo com olhar atento. Tudo em você me chama atenção, e me pego vidrada nas mínimas ações, presa em cada segundo da sua companhia. Seus braços longos e fortes ao redor do meu corpo que treme sob o seu toque. Sua boca tem sabor de saudade, um veneno para uma mulher que não quer ser refém.

Você se deita enquanto faço todas as escolhas, permite porque sabe que eu gosto. Meu corpo dança, escorregando sobre o seu calor. Seu beijo me hipnotiza e nossos movimentos se tornam cor, formas cilíndricas em um branco envernizado, movimentos lentos que só eu consigo ver. Enquanto sinto o sabor da sua pele na minha língua, seus dedos passeiam e as palmas das suas mãos cantam canções inteiras no meu corpo; um instrumento que você dominou. Não finjo surpresa, não disfarço a vontade, e não impeço a garganta de sonorizar aquilo que nunca escondi: eu quero você.

Quando me deito, o corpo ainda trêmulo, rindo para tentar mascarar mesmo que minimamente o quanto estou maravilhada, você se aproxima; você, com seus dedos macios, a pele alva, o sorriso que nunca apaga. Pergunto do que você tanto ri. E a resposta é sempre a mesma, saindo pelos cantos, fugindo discretamente sem me fazer sentir constrangida. Seus olhos negam qualquer comicidade, ferozes sobre mim e meu corpo estendido, descoberto, vulnerável às suas vontades. Quando você e suas mãos se movem, mal respiro. 

O toque começa tão leve quanto seu hálito, se aproximando sem anúncio nem alarde, um velho conhecido que chega sem avisar nem causar estranhamento. Quando seus dedos encontram meus pelos, um choque percorre cada milímetro da minha pele e eu o sinto — o tremor que balançaria um continente. Meus olhos mal se mantém abertos e minha boca não se fecha, murmurando juras que se comunicam apenas com você. A cada pulso que meu corpo emite, você mal se move, reconhecendo movimentos — atento aos sons, aos tremores suaves e aos intensos, aos caminhos que percorrem as minhas mãos, até às leves mudanças das minhas pernas — como quem desvenda um mistério. Não digo nada, mas não há necessidade. Meu corpo me delata.

A vergonha dá lugar à vontade e verbalizo: me beija. Com mais palavras, com mais detalhes, com mais por quês; e você acata, se aproxima e me permite, sendo gentil enquanto me domina. Há uma coreografia em par, e minha insegurança, implacável, só me permite sentir por completo quando sua voz vem lá do fundo, acariciando meu ego, compartilhando suas delícias e me fazendo sentir paz. Abre-se uma nova porta e eu não a quero fechada. 

Você não diz muito; ou não dizia. No começo mal se manifestava, embora seu corpo falasse por si só, e me vi refém dos meus próprios movimentos — e o que quer que eles causassem. Agora, murmura carícias e absurdos no meu ouvido, rosnando delícias, deixando marcas de dentes e mãos que me fazem acordar com vestígios do seu carinho. Seus olhos parecem querer confiar em mim, e sinto na sua língua um desejo de chegar mais longe, descobrir novas temperaturas, me fazer mostrar o que há além das promessas. Há uma longa trilha até chegar a esse oásis, mas você se mostra determinado, pronto para atravessar o deserto. Rio ao pensar em quantas vezes imaginei essas cenas sem jamais chegar perto de retratá-las com fidelidade; jamais imaginaria quem você é. 

Como de costume me mantenho distante, despedindo-me sempre como se fosse meu último adeus, e não me arrependo. Mas verdade seja dita, ainda não quero dizer adeus. Não chegamos ao oásis, não encontrei sua paz, nem você o meu segredo. Talvez isso não aconteça — eu nunca vou tão longe nessa estrada —, mas quero encontrar ao menos um próximo ponto, uma próxima carícia e um novo poema. Quando estiver saciada das suas canções, me despeço, prometo. Mas ainda quero ouvir como você toca. 

segunda-feira, 25 de maio de 2020

L'over

Memórias não mudam, não se transformam,
continuam, concretas.
Nada me tira a beleza das pequenas coisas,
o aroma da flor, o som do silêncio.

Muda-se porém a perspectiva;
há temor onde havia ânsia
e o brilho nos seus lábios não desperta
as borboletas que habitam minhas entranhas.

Palpitações ritmadas como as músicas
que encantaram nossas madrugadas.
As faíscas dos nossos olhares
hão de acender meu último cigarro.

Acordou meus monstros com seu suspiro morno,
soprou para longe meu pesar,
e com suas mãos de nuvem
roubou as batidas do meu peito.

Silenciosa, estática, morta
observo pelos vidros sujos
o passar dos dias e das noites
esperando por um sinal do passado.

Aguardo seu retorno. Chega de mentir.
Qual o propósito em negar
meus sonhos secretos?
Apenas mantenha em segredo, por favor.

Memórias não mudam, não se transformam,
e não se repetem.
Cada segundo é único; a experiência
não se repete, jamais, da mesma maneira.

Seu toque jamais será elétrico como foi;
o café não terá aquele mesmo sabor.
Seus olhos terão um sorriso diferente
se é que os verei outra vez.

*

Quem poderia prever que sua tão breve existência
nas páginas rabiscadas da minha história
seria tão profunda, tão dolorosa,
que hoje vejo sua sombra em todas as palavras.

Lendo Focault penso em você.
Ouvindo Kevin Abstract lembro de você.
Vendo os carros pela janela, sinto você.
Existindo, quero você.
Resistindo, esqueço você.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Conversas que só existem na minha cabeça pt. II

— Preciso que você me diga o que eu fiz de errado.
— Você não fez nada de errado!
— Então por que você não me respondia? Um "não quero falar com você" teria machucado muito menos do que o seu silêncio mórbido.
— Eu sei.
— Então me diz, cara. Que foi que eu fiz pra merecer isso?
— Eu não estava pronto pra falar com você.
— Eu não quero que você esteja pronto pra falar comigo. Quero que você me diga quando não estiver. Um "não" é suficiente.
— Você merecia mais que isso.
— Mas não recebi nada.
— Eu sei.
— Você sabe de tudo.
Respiro fundo.
— Lembrei de você tantas vezes — resmungo, engolindo o choro inconveniente.
— Eu lembrei de você também.
— Queria ter te pedido ajuda pra entender um texto do Foucault.
— Você podia ter falado comigo.
— Como? Você não me respondia.
— Eu teria respondido.
— Não pode me julgar por duvidar disso, não é?
— Eu...
— Não é?
— É.
— Você me dizia tanta coisa bonita...
— Era verdade.
— Eu sei que era. Mas machucou muito quando deixou de ser.
— Não deixou de ser. Eu só...
— Eu sei. Eu sei que você não podia. Não conseguia. E eu sinto muito, mesmo, por tudo isso. Que não é nada, ao mesmo tempo, mas foi o mundo pra mim por vários meses. Você foi muito... importante pra mim.
— Você foi importante pra mim também.
— Não seja educado. Eu tô falando sério.
Não há réplica. Respiro fundo outra vez, engolindo em seco.
— Desculpe. Desculpe por te procurar outra vez. Eu só preciso colocar um ponto final nisso tudo pra conseguir dormir em paz.
— Desculpe por não poder ser o que você precisa.
— Eu não preciso de você, seu tonto. Gosto da sua companhia. Gosto de conversar com você. Não quero ser sua namorada nem casar com você em quinze dias. Eu só...
Não sei terminar a frase. Não sei o que eu quero.
— O quê?
— Eu só queria poder te mandar as músicas novas do Brockhampton e saber que você pode me ajudar quando eu precisar entender um conceito.
— Você pode me mandar o que quiser, e eu quero te ajudar no que puder.
— Não. Não é assim.
— Mas pode ser.
— Você é mais que isso. Eu estou mentindo pra sentir menos dor.
— Obrigado por ser honesta.
— É difícil pra mim.
— Eu sei.

domingo, 1 de março de 2020

carta de AA

Curitiba, 21 de fevereiro de 2020

Acho importante registrar que estou sentindo muitas coisas. Conheci alguém, e acho que sua existência vai permear meus poemas, desenhos e pensamentos por muito tempo, mesmo que sua presença seja mais efêmera que o previsto. Não quero, verdade seja dita, que sua ausência seja uma realidade em nenhum futuro próximo. A doçura daquele sorriso me faz perceber que ainda bate um coração no meu peito. Meu sangue corre mais forte, meus músculos vão mais longe, e a alegria que eu não sabia que poderia sentir outra vez... eu senti. Estou sentindo muito. Muitos sentimentos o tempo todo nas últimas duas semanas. 
Bonito, você é um homem tão doce e carinhoso que quase me faz acreditar outra vez. No quê? Não sei, mas é algo que há muito tempo não aparecia por aqui. Quando você sorri pra mim e me beija com admiração, tesão, carinho, vontade... me derrete. Derrete todo esse gelo que eu finjo ter construído. Cê me faz ter vontade de tomar suas dores e proteger sua existência de qualquer sofrimento. Quero passar todas as horas possíveis olhando você nos olhos, enxergando sua alma, enquanto me delicio com seu corpo. Cacete, cara, você é muito mais do que eu procurava — sem saber. Não sei muito bem como lidar com você e esses sentimentos, mas juro por Deus que estou tentando, dando meu melhor. Quero poder te sentir por todo tempo que me for permitido. E obrigada. Obrigada por me ouvir, por dividir comigo a cama, o lençol, e esse sabor delicioso que sua pele tem. Obrigada por ter me beijado naquela noite alucinada na balada; obrigada por tudo, caralho. Você é incrível e se for pra ser sincera, nesse espaço seguro, queria poder morder essa boca por todo tempo possível; seu piercing me seduziu e sua lábia me manteve ali. E eu quero ficar.
Ouviu? Será que eu ouvi? Gosto de você.
Seria bom ter alguém para me fazer feliz por um tempo. Eu mereço. Dizem que mereço, e eu mesma quero acreditar.
Me faz feliz, bonito. Me faz gritar e rir, suspirar e implorar, morder e assoprar. Me deixa dormir no teu cheiro, acordar com o arrepio dos seus olhos. 
Só me promete ser honesto? Sempre? Não quero me machucar [outra vez]. Você poderia me poupar? Agradeço. Em troca cê fica com a minha banda favorita e o cigarro na minha janela. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

When I knew that I lost you

I lost you, didn't I?
When I succumbed to those desperate desires,
sneaking out of this pile of self-destruction
just to dig into a well of false confidence
I lost you.

When I gave up on having your eternal company
just to allow my tongue to taste
a sip of your scent,
I lost you.

When I guaranteed, drunk and lonely,
that I could keep this train on track,
despite my clear eagerness for the wet touch
of your fucking lips;
when you asked me not to;
when I stripped down my clothes,
my lies
and my fears,
allowing you to look at me for the first time,
seeing so much more than your eyes had age to acknowledge;
I lost you.

When I granted myself the privilege
of belief, knowing the unwanted truth,
I lost you.


September 11, 2019

sábado, 11 de janeiro de 2020

Percepção

Tenho notícias.
Novos sentimentos,
novas percepções,
novas marcas.

Contemplei seus olhos
com inédita atenção.
Ouvi tuas lágrimas,
admirei teu suspiro.

A emoção crua me tocou
e foi como epifania;
enquanto os olhos marejavam
meu coração parou.

Eu amo você.

Quando discordamos brevemente
e rimos das bobagens corriqueiras
percebi a obviedade 
que escondi de mim mesma.

É claro que amo você.

Subitamente, me percebi ciente de cada detalhe da sua existência.

Os olhos de estrela 
nunca me pareceram tão brilhantes.
Fosse a vulnerabilidade, as lágrimas,
fosse a risada honesta, a admiração;

fosse o que fosse,
me tocou. Muito mais fundo
do que antes. 
E eu caí. 

Feridas abertas, todas.
E sangrei.
Você, cuidadoso, não ofereceu ajuda,
mas deixou que eu falecesse em seus braços.

Não consigo pensar
em um túmulo mais agradável.
Morreria dez vezes
se a cova fosse seu abraço.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Maria

"Ah, então é um encontro."
Foi isso que Milena me disse, pouco antes de eu sair de casa, quando comentei inocentemente que encontraria você no terminal para irmos juntos. "Quem mais vai?" foi a pergunta que veio antes, e só agora vejo como ela já planejava me acusar de estar fazendo tudo que eu disse, tantas vezes, que não faria. É quase cômico.
— Não é um encontro, eu juro — jurei.
O olhar que ela me lançou é impossível de descrever. (Ela não te odeia.)

Feliz que estava, vestindo meu casaco falso de burguesa, meu melhor batom vermelho, a meia-calça com quase nenhum rasgo, saí para a noite fria. O vento uivando, fazendo meu cabelo dançar, e eu me perguntando se não deveria ter apostado num cachecol.
O primeiro sinal de que a noite seria incomum (mas positiva) foi quando uma mulher caridosamente pagou minha passagem para que eu pudesse pegar um desses ônibus sem cobrador. Agradeci o quanto pude, lamentei não ter nada além de uma nota de vinte, mas ela pareceu não se incomodar; comentou ter gasto uma passagem a menos naquele dia. Pequenas ações altruístas.
No terminal, deixei passar apenas um 303. Você chegou logo, e demorei pra me permitir ficar confortável, possuída pela ideia de que você só aceitou minha companhia por mera educação. Não posso negar, ainda estou presa à isso. Mas você parecia contente, satisfeito com o bolso interno do seu casaco, carregando sua já característica bolsa preta, um Roberto desenhado nela (antes de Robertos serem Robertos, diga-se de passagem). A conversa fluiu, como sempre, e passeamos por tantos assuntos que mal me lembro; seria impossível listar. Me pergunto com certa frequência como conseguimos falar tanto; me impressiona e assusta em proporções muito semelhantes.
Os assuntos variam entre amenidades e problemas, o leve e o obscuro, e nós entramos e saímos desses vórtices com facilidade, quase sem carregar nada. No meio desse vem e vai, chegamos ao destino. Caminhando até a universidade, eu me perguntava se nossa aparência acusava inocência; afinal, por mais que existam incontáveis poréns na nossa relação, não há maldade.
Chegamos ao nosso destino, recebemos o programa da apresentação da Camerata, e fomos em busca de lugares. O auditório estava lotado, e emanava uma energia diferente do comum. Eu fiz sinal pra que você fosse na frente e escolhesse os lugares, mas recebi uma recusa e uma frase que dizia algo como "Eu não sou bom nisso, faça você". Tomei a frente, escolhi os assentos e nos acomodamos. Não demorou e uma senhora elegante nos abordou.
— Olá — ela sussurrou, o tom extremamente cuidadoso, curvando o corpo para se aproximar —, esses assentos do meio estão reservados para os moradores de rua. Mas se vocês estiverem confortáveis, não precisam sair. Só estou avisando, e caso vocês prefiram mudar de lugar, podem sentar nas cadeiras dos cantos, que são para o público. Mas se estiver tudo bem pra vocês, podem ficar.
Estávamos inclinados para ouvir o que ela dizia, e gosto de pensar que você ficou tão chocado quanto eu quando ela sugeriu que trocássemos de lugar. Educadamente recusei — por nós dois.
Era uma apresentação especial da Camerata para angariar alimentos para pessoas em situação de rua. Eu me lembrava vagamente de ter lido isso na descrição do evento, mas para minha mais agradável surpresa, essas pessoas não eram apenas o alvo da campanha, mas da apresentação.
Não tenho palavras para descrever com a devida fidelidade como essa noite foi importante pra mim. A experiência de estar numa plateia que não se aquietava, comovida, e cujas reações acompanhavam sem pudor suas emoções, foi única. Você, ao meu lado, não se preocupava em disfarçar os olhos marejados; um homem que sente. Boquiaberto, atencioso, estava ali de corpo e alma, um amante da música, sensível às suas influências e poderes. [In]Felizmente minha atenção era toda das vozes talentosas que ocupavam o palco, então minha análise dá-se pelo que captei com o rabo dos olhos, mas mesmo assim. É bonito.
Compartilhamos emoções, risos disfarçados, comentários bobos e julgamentos inofensivos. Não posso dizer que chorei, porque infelizmente o chorar se tornou uma sina para minha existência, carregando pesos que não posso soltar, mas devo admitir que senti minha voz embargada por um instante, quando me inclinei sobre você e confessei amores pela voz grave que nos havia acariciado os ouvidos. O que durou pouco mais de uma hora e meia, por mim, poderia ter durado a noite toda.
Quando acabou, depois de diversas palmas, gritos e assobios, aguardamos para cumprimentar o astro da noite. Enquanto o auditório se esvaziava rapidamente, a Camerata se reunia no palco, posando para fotos, e eu sugeri que fizesse você mesmo uma fotografia, com sua já tradicional câmera analógica. Foi como se eu tivesse te contado um segredo, tal foi seu estalo; quero muito ver essa foto. André, o astro, finalmente se fez disponível, clara e genuinamente feliz com nossa presença. Nos apresentou sua mãe, madrinha e avó, comentou sobre tudo e mais um pouco, radiante. Fomos todos juntos até a saída; enquanto vocês dois riam alto, é claro que fui conversando com a mãe. Nunca conheci uma que não me amasse instantaneamente, e embora não entenda esse fenômeno, me faz muito feliz. Quando chegamos à frente da universidade, hora das despedidas. Abracei a madrinha, a avó, a mãe; parabenizei pelo rapaz brilhante que pariu e criou. Ela deu uma risada honesta e eu me senti mais leve. Abracei André com toda gratidão e boas energias que sou capaz de emanar. Eu sei que não é muito, não precisa rir, mas foi sincero. Enquanto eles discutiam o próximo passo (um ônibus ou um Uber, a clássica discussão contemporânea), eu te olhei, já segurando o fôlego, e perguntei da forma mais cínica que consegui:
— E você, já vai embora?
Cerrou de leve os olhos de estrela, abriu um daqueles sorrisinhos curtos de canto de boca e disse exatamente o que eu queria ouvir:
— Ah, pensei em tomar uma cervejinha, né?
Nossos olhares cúmplices se tocaram e eu sorri.
Não há nada em você que não seja exatamente o que eu quero.
"Adeus, tchau, obrigada, até amanhã". Despedidas finalizadas, me viro pra você a fim de decidir o próximo passo, quando vejo com o canto dos olhos uma figura conhecida. Amiga antiga, parece agitada. Não vou me aprofundar muito, mas ela passava por um momento complicado, confuso. A maquete do TCC2 deu errado; níveis invertidos, material jogado fora, trabalheira manual foi pras cucuias. Estava à beira de lágrimas, se me perguntar, mas percebi que o riso desesperado ocupava todo seu ser, concentrando sua energia. Ajudei como pude, num momento tão delicado — e repentino. Passei o telefone de uma cortadora a laser, sugeri uma gramatura de papel, e desejei boa sorte. Ela parecia aflita, mas honestamente, eu não sabia o que fazer. Percebi que você assistia àquela cena tão confuso quanto eu. Quando ela se foi, tensa, mas com uma perspectiva de salvação, nós dois finalmente tomamos nosso caminho: o bar.
Uma quadra e meia depois, chegamos. Você já tinha pago uma cerveja a mais alguns (poucos) dias antes, quando nos reunimos por acidente no boteco que eu mais adoro; lá você conheceu o querido Lucas, carinhosamente apelidado Barzonzinho, e nós dois conversamos sobre tudo, como sempre, inclusive sobre nós. É uma conversa que tem sido recorrente, e isso me desagrada profundamente*. Foi, no entanto, pequena parte de todos os milhões de assuntos discutidos, conversados, ridos. Sua companhia é, de fato, importante pra mim. Muito mais do que você imagina. Talvez mais do que eu imagino. A cerveja a mais, no entanto, ainda me assombrava, e eu quis pagar naquela noite.
— Vou comprar duas, pra ficarmos quites — tentei, já sabendo que você encontraria algum empecilho.
— Se você comprar duas, eu compro duas também.
— A gente não vai beber quatro litros. 
Aqui, um olhar desafiador.

Acomodamo-nos numa mesa alta, com banquetas confortáveis, na porta do bar. A cerveja congelada fui eu que trouxe, mas foi você que levou de volta pro balcão; eu tive preguiça. Pra minha sorte, você é muito educado. Voltou com uma garrafa apenas suficientemente gelada. Servi nossos copos, brindamos, e por um milésimo de segundo, senti como se não houvesse no mundo forma mais simples de me fazer feliz. Sua companhia me é suficiente de tantas maneiras... espero algum dia poder te fazer sentir qualquer coisa minimamente similar à essa alegria que me preenche quando percebo como somos bons amigos, como sua presença e atenção me bastam, e como sinto que existe, de alguma forma, uma reciprocidade real dentro da nossa relação. Não é sempre que acredito nela, mas nesse dia, acreditei. Começamos com longas dissertações sobre a apresentação emocionante que havíamos acabado de presenciar, e mesmo com o clima frio, a cerveja gelada descia confortavelmente; uma sensação de carinho em minha garganta. A conversa seguiu seus trilhos confusos, mas contínuos. Você tem uma mania de tomar a cerveja em grandes goles; pobre do copo americano. Reparei desde a primeira vez que saímos para beber, e verdade seja dita, isso me irrita desde então, mas quem sou eu para corrigir a forma como você bebe? Algumas linhas não devem nunca ser cruzadas. 
O primeiro litro voou; passou rasante pelos meus olhos, sem deixar sequer rastro. Você, ágil, correu pro bar com seu papelzinho na mão, e voltou logo. Não tenho muitas descrições pra este momento; mal sei dizer quanto tempo ficamos no bar. O que sei dizer é que as cervejas foram embora, e eu me senti muito ingênua; já deveria saber que grande pinguço você é: um do mesmo calibre que eu. Começaram a baixar as portas e ficamos atentos. Você então foi buscar a nossa saideira, que foi servida em copos descartáveis de quinhentos. Com a cerveja pra viagem, saímos para a noite fria. Descrevo como noite fria simplesmente porque eu vestia um belo casaco e meias grossas, mas sequer posso afirmar qual era o clima. À essa altura, as memórias começam a se tornar um pouco mais turvas do que o de costume, mas de duas coisas me lembro com clareza: precisávamos fazer xixi (os dois), e eu pedi que pegássemos o ônibus (talvez o último) na Rui Barbosa, porque queria muito te mostrar o apartamento novo. Não mostrar, claro, mas passar por ele, te tornar parte daquilo tudo de alguma forma. Você sequer titubeou. 

Quando começamos a seguir pela Westphalen e entramos na quadra certa, eu comecei a caminhar para o canto da calçada, afim de olhar para o apartamento; mas você, que estava me seguindo como uma sombra, não percebeu o que eu fiz, e me trombou com força. Sequer sei dizer qual cerveja foi, mas voou na minha roupa, molhou meu braço, encharcou o folheto da Camerata que eu segurava nas mãos. Ri descontroladamente, enquanto você parecia ainda mais confuso que o normal. Avisei que estava apenas olhando para cima para ver o apartamento, indignada com a sua falta de atenção, e você só sabia pedir desculpas. Foi então que eu vi que a placa de "Aluga-se" havia desaparecido da imensa janela da frente; lembro de sentir um arrepio novo percorrer todo meu corpo. Foi nessa noite, nesse momento alcoolizado, que finalmente percebi que as coisas estavam acontecendo, eu ia me mudar, e estava fazendo tudo acontecer praticamente sozinha (mas isso é assunto pra outro texto). Apartamento apresentado, seguimos para o tubo. Ambos desesperados por um banheiro, sim, e foi por isso que a ideia brilhante surgiu: vamos até a Rua 24 Horas. Certamente está aberta — confiamos cegamente no título que carrega — e nos deixariam usar o banheiro. Passos apertados e risos contidos, "caralho, eu preciso muito mijar". Chegamos. Um bar aberto, graças à deus. Educadamente pedimos para por favor usar o toilette, e deixaram. E aqui o detalhe que não vou esquecer; tocava 1406, do Mamonas Assassinas, nos alto-falantes. Comecei a cantar com a maior naturalidade do mundo, e você mais uma vez pareceu tão perdido quanto uma criança sozinha num hipermercado. 
— Todo mundo conhece essa música.
— Eu não conheço.
— É Mamonas Assassinas! Você não teve infância?
— Meu pai não ouvia Mamonas Assassinas.
— E o que seu pai ouvia?
— João Gilberto.
Tenho certeza de que ri na rua cara, sem disfarçar.
Descemos as escadas (havia escadas, sim, perigosíssimas), e quando passamos pelo bar, mãos vazias, você não se conteve:
— Vamos tomar um gim-tônica?
Mais tarde soube que você quase não sugeriu porque pensou que eu negaria. Para sua (não aparente) surpresa, peguei a carteira, honestamente admirada pela ideia genial de beber mais álcool. Acomodados nas banquetas confortáveis do bar, que na verdade fechava as portas, dividimos uma boa dose de gim, água tônica e limão (talvez uma folhinha de hortelã). O barman e a mulher no caixa não pareceram se incomodar com a nossa presença, e nós certamente não parecíamos ter pressa alguma, portanto, tudo estava bem. Não faço a menor ideia do que conversamos; a cerveja já havia sido muito bem absorvida pelas nossas correntes sanguíneas, e eu só consigo me lembrar de uma sensação maravilhosa de paz permeando toda a minha existência. 
Quando o gim se foi mas ainda restava alguma água tônica na lata, foi óbvio: "Você pode me ver mais uma dose, por favor?". Duas doses de gim para duas pessoas já alcoolizadas é mais do que suficiente. Continuamos acomodados nas mesmas banquetas, no mesmo balcão, até que finalmente bebemos tudo e eu decidi que era hora de ir embora. Seu 99 estava com desconto, portanto você chamou o carro. E é aqui, exatamente neste instante, que começa a minha tragédia. Você me perguntou sobre, e sinto muito, mas eu menti. 

Enquanto esperávamos pela nossa carruagem moderna, eu me aproximei de você. Não sei se foi apenas por ser uma bêbada descarada e carente, ou se eu senti frio e procurei calor, ou qualquer que tenha sido a razão, mas fui me aconchegando no seu abraço. E você deixou. Quando me dei conta (e por essa inocência, suspeito que tudo tenha acontecido porque senti frio), meus braços acomodaram-se ao seu redor e me percebi abraçada em você, olhando seu celular. Nenhum de nós parecia preocupado. Bem, você não tinha motivo algum, mesmo. Mas eu deveria estar. 
Quando o carro chegou, entramos juntos no banco de trás. Provavelmente eu entrei primeiro, ou dei a volta, porque me lembro de estar atrás do motorista, do lado esquerdo. Quando começamos a andar, me aproximei novamente, aconchegada no seu ombro, abraçada em você como uma preguiça. Sua mão repousou — inocentemente? Nunca vou saber — no meu joelho direito, e disso eu me lembro com clareza sóbria: um arrepio correu pela minha espinha. Seus dedos acariciavam aqueles quatro centímetros quadrados de mim — a pele sob a meia-calça ardia, como se seus dedos fossem brasa — e eu só conseguia sentir uma mistura alcoólica de tesão, confusão e tristeza. Tesão porque até a sua respiração me excita; confusão porque, bem, eu não faço a menor ideia de como você se sente sobre mim, se tem vontade de me beijar, de me foder, ou de ser apenas mais um homem fora da minha categoria Amigos Com Quem Posso Transar; tristeza porque eu já sabia que nada ia acontecer, mas a esperança (como descrevo em outros momentos) acaba comigo. Você conversava com o motorista e eu agradecia em silêncio; geralmente quem faz esse papel sou eu, mas naquela noite eu só queria existir. Sabe, por um milésimo de segundo eu considerei erguer o rosto, te olhar nos olhos e tomar uma atitude. Foi como uma injeção de adrenalina bem no meu estômago, e eu tive certeza de que você retribuiria, então iríamos para sua casa e dormiríamos juntos — talvez literalmente. Durou exatamente isso: um milésimo de segundo. Ouso dizer que te provoquei, perguntando algo sobre para onde eu iria, mas você foi evasivo, mesmo que entre risos. Quando o carro estacionou em frente ao meu condomínio, me despedi com um beijo no rosto, dei adeus ao motorista, e descemos — eu e meu ego ferido. Cheguei em casa a própria frustração. Escovei os dentes, despi minhas mentiras, deitei na cama, vi suas mensagens; ignoradas deliberadamente. Dormi com lágrimas batendo na porta.

Dia seguinte, uma ressaca leve me coçando a nuca, mas a alegria pelas boas lembranças era mais forte. Nos encontramos, e você quis perguntar o que diabos havia acontecido para que eu mandasse aquela mensagem — algo dizendo "não faça isso" —, mas te convenci de que estava tudo bem. Mentindo. Infelizmente minto muito pra você. É necessário para a manutenção da nossa relação. 

Só não sei por quanto tempo terei forças para sustentar essas mentiras. Mal sei dizer quem estou tentando proteger com tudo isso. Você? Eu? Me fazer crer que sou capaz de conviver com o homem por quem sou apaixonada sem deixar que isso destrua nossa amizade? Mas por quê? Por que é pior sem você? Quando me permito refletir sobre tudo isso por um momento, concluo que minha intenção é apenas provar que sou feita de pedra.
O único problema é que não sou.


*[Não gosto de pensar que existe em você qualquer necessidade de esclarecer o que quer que seja, e me apavora pensar que você tenha esses pensamentos passeando pela sua mente a qualquer momento. Isso é tudo culpa minha, e não importa o que eu faça, quanto eu implore, não há maneira de fazer com que você esqueça tudo que já nos aconteceu. Eu sei que soa exagerado, mas você é incapaz de conceber o quanto sinto ódio de mim mesma por ter, em algum momento, fraquejado tanto à ponto de expor minha ferida mais profunda.]

domingo, 24 de novembro de 2019

the one

hold it;
hold it all together.
swallow that hard pill today,
and be aware
that you will swallow it again
tomorrow.

hold it;
keep it all together.
take every piece of
what once was a feeling
and make sure to put it all
into a big glass jar
right above your bed
so it will be an effective reminder.

hold it;
get your shit together.
I don't know where you got
this idea of
being vulnerable,
but I suggest you let it go.
there is no time for you
to suffer.
there is no time for you
to cry.
there is no place in your life
even for the tiniest doubt.
not now.

hold it;
hold your breath.
hold it until
you can't feel
anything
at all —

and then
move forward.

for that is who you are
that is who you were
and that is
pretty much
who you will always be.

the one who holds it all
and never let anyone fall;
never allows the boat to sink;
never surrenders to the storm;
the one
who stands.

sábado, 9 de novembro de 2019

Trechos


Perdi a conta
de quantas vezes

quis te escrever
só na última hora.
[09.11.19, 21h06]
Trecho I: Queria que nos comunicássemos por cartas, pra que eu te enviasse todas, e só daqui dez dias você soubesse o quanto senti sua falta. Falando sobre tempo  —  o imediato, que nos atormenta hoje  — , concluí que, em muitos momentos, tudo que quero é o depois. Queria eu que meus sentimentos fossem cartas, e só daqui dez dias eu os sentisse, entendesse (nem agora…) ou tivesse qualquer ciência de sua[s] existência[s].

Trecho II: […] Hoje me apaixonei pela minha futura casa, seu chão de madeira, suas paredes quinquagenárias, seus azulejos díspares, a banheira rasa. E deus sabe que eu queria compartilhar com você cada detalhe que me fez amar a mais singela possibilidade de que aquele seja meu futuro lar; talvez entendesse porque os armários velhos do banheiro fazem meu coração parar por um milésimo de segundo. Para ser completamente honesta, eu não sei dizer se você gosta de apartamentos quinquagenários com piso de taco, mas amaria descobrir. Engolir com você uma garrafa de vinho tinto seco e falar sem parar sobre como me fez feliz o fato de o apartamento ser o número 15. Me peguei questionando à mim mesma; se estaria mais feliz (ou menos melancólica) se estivesse falando com você. Quão curioso, não? O nível da minha dependência emocional. E sei que “emocional” não engloba tudo. A minha dependência das nossas piadas, da minha própria risada, de pensar na melhor forma de te fazer rir também.
Me sinto incompleta.
E odeio — O D E I O — esse sentimento.
Chamo de sentimento, não sensação, deliberadamente. Sei que você entenderia a diferença.

Trecho III: […] Sempre fui tão boa em reprimir sentimentos, não sei o que houve dessa vez. Na verdade, talvez eu saiba. Se me permitir honestidade, a razão de tudo foi esperança. O sentimento mais tóxico que já passou por esta carcaça cansada. Esperança já me arrancou cada lágrima pesada… esperança já me jogou do alto de escadas, já encarcerou celebrações; esperança tirou de mim tudo, absolutamente tudo que se pode barganhar.

Trecho IV: […] Quanto medo pode habitar uma única mulher? Uma única alma? Um único corpo cansado? Não sei mensurar. Há medo demais em quem eu sou. […] Meu único e maior medo é sentir. Morro de medo dos meus sentimentos, juro por deus. Isso, e a falta de consciência — e por isso, temo enlouquecer. Já vi a loucura de perto, e a temo demais. Por isso, talvez, sinta essa necessidade quase arrebatadora de manter o controle. Controle. A ilusão do controle é uma delícia, não?
[Mas] Estou sendo repetitiva. Desculpe, estou escrevendo há mais de uma hora e em muitos momentos me perdi no raciocínio, como sempre faço — e você bem sabe. A cerveja começa a fazer efeito. […]; vai manchar a tinta. […] O absurdo de escrever nesse tempo verbal apenas porque me imagino falando com você. É a saudade.
Desculpa.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

threat

I'm not afraid of anything.

I used to be, not long ago
when the sky would seem to swallow my soul
the trees would howl my name in the dark
and even the wind felt like a threat.

But now
I've cursed the sky
torched it with my stormy anger.
I've warned all living things,
my steps weighing existence itself,
carrying all my unshed tears.

I am the echo of a sacred silence.
I am the thunder reaching your bones.

Now
I am the only threat.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Counting on me

I know, I know
I carry too many scars.

The past I cannot leave behind,
the memories I cannot deny.

I know, I know
I carry too much weight.

Guilty for my mistakes
and for everyone else's, as well.

I know, babe, I swear I know
I shouldn't be drinking
I shouldn't be running
I should look into my own eyes
and tell myself to calm the fuck down.
But I can't.

I know, sweetheart, I heard you
the first time,
but once in a while I simply can't get up,
my shoulders won't stand that much exhaustion,
my knees can't find enough strength;
once in a while
I allow myself to be weak.

I know, I know
you are counting on me.
Everyone is.

What you don't know
is that I am not.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Medo

Sou como uma
veterana de guerra;
meus ossos doem,
minha pele exibe
o cansaço da existência,
e já não cubro mais
as marcas
em meu rosto.

O amor me feriu
de forma tão cruel
[as cicatrizes ardem]
e eu me percebo
temerosa.

Não me machuque
[mais].

A dor
tornou-se
inerente
ao amor

e não posso,
não consigo
— e honestamente,
não quero —
me desapegar
do meu medo.

Pois quão perigoso
pode ser
permitir-me acreditar
em quem quer
que seja?
Baixar a ponte,
desligar a cerca elétrica
e destrancar as portas
me parece má ideia.

Deixar alguém entrar
soa como o princípio
do fim.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Amargo

Primeiro de agosto de dois mil e dezenove

Cê não sabe quantas vezes planejei minha despedida nos últimos treze dias. Toda noite me preparo para te dizer adeus; adeus à tudo que finjo que você representa, adeus às nossas conversas infindáveis, adeus à esse conforto que encontrei na sua compreensão profunda de tudo, absolutamente tudo sobre mim. É injusto. Não pode haver alguém no mundo que me leia com tanta facilidade. Alguém que ria junto comigo exatamente das mesmas palavras. Alguém que possua tanto poder para me magoar como você, agora, neste instante. Não posso permitir que você exista, entende? A sua presença no meu cotidiano é uma afronta à todos os cuidados que tomo para nunca mais ser machucada. Passei anos erguendo estes muros, e pra quê? Você chegou carregando todas as chaves.

As lágrimas contidas me ardem os olhos e o grito que jamais atravessará minha garganta queima todos os meus órgãos. Saber que você está tão próximo e permanece intocável é o suficiente para me fazer querer beber um vidro de veneno. Mas eu entendo. Sou consciente — ou procuro ser, juro por deus — sobre minha aparência e minha personalidade. Sei que sou, na melhor das hipóteses, intragável. E por isso, me choca você ainda não ter desaparecido da minha vida, com uma desculpa qualquer, ou sem desculpa alguma. Puf, e nunca mais. Já aconteceu antes, não me surpreenderia se acontecesse outra vez. Todos os dias me convenço de que você está na verdade aguardando o momento certo para dar adeus e nunca mais voltar.

É difícil, porque suas lágrimas marcaram minha memória como tatuagens, e hoje sei que você será mais uma dolorosa história anotada à tinta e lágrimas por diversas folhas soltas pelos meus cadernos. Me sinto exposta, porque você sabe de tudo isso, e eu tive certeza, no momento em que abri a boca, que você evaporaria no segundo seguinte; mas não aconteceu. Por quê? Por que você insiste em me contar suas tristezas e pensamentos completamente aleatórios? Por que me manda fotos da sua família? Por que ainda me lê seus textos e mostra suas anotações maldosas [ainda que bem intencionadas]? Por que se desgasta gravando áudios quilométricos, explicando toda e qualquer coisa, para ter certeza de que estou prestando atenção? Por que você aparenta se importar? Por que aceita meus convites para beber, e se empenha tanto em me fazer gostar das músicas que você gosta? Por que você me faz sentir importante, se em breve eu não serei mais que uma brisa nas suas lembranças? Em menos de duas semanas, haverá uma nova no meu lugar. Eu sei disso.

Mas nada, absolutamente nada disso importa. Eu não vou dizer adeus. Eu não vou embora. Não posso. Você cresceu raízes e eu não tenho força para arrancá-las; me faltam ferramentas, me falta vontade. O amargor da sua ausência seria muito maior do que estou disposta a experimentar, especialmente neste momento da minha vida, quando até a mais doce das companhias me parece tão insossa. Você é isso; é a pimenta adicionada aos ovos mexidos, é o vinho claro demais durante a tarde, o adocicado suave da cerveja que eu gosto. 

É óbvio que me pergunto o tempo todo se você percebe a maré subindo e baixando dentro de mim; se você nota o quanto eu observo todos os seus movimentos, o quanto eu temo pelo momento em que você finalmente cairá em si e me expulsará da cadeira na sua porta, do seu apartamento, das suas fotos, do teu lado no sofá batido, do seu telefone, da sua vida. É como se eu estivesse segurando o fôlego desde o primeiro momento em que trocamos um riso cúmplice. Desde então, tudo é apenas um instante antes do fim.

Vinte de agosto de dois mil e dezenove, 21h10

Te deixei para trás e não sei como não me desfiz em lágrimas quando o "Tchau" escapuliu desses meus lábios falsos. Amaldiçoo todos os meus sentimentos. E o dia em que te descobri linda carcaça. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Adeus?

Me arrependi
de passar meu telefone,
de acreditar nas suas palavras,
de não seguir meu instinto
que apitava como um alarme,
soando ensurdecedor,
avisando
que algo estava errado.

Me arrependi
de confiar no tempo;
como pude não suspeitar
desse seu tom ameno,
desse seu aparentemente
inofensivo retorno?

Me arrependi
e agora estou aqui
lembendo as feridas
que deixei você
abrir.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Unlucky

Sinto como se durante
toda a minha vida
eu tenha
deliberadamente
tomado todas as decisões
erradas

e agora
precise lidar
com todas as consequências
que nunca medi.

Não escolhi
me sentir tão vazia
e distante
a ponto de ser incapaz
de me enxergar
pertencente
ao que quer que seja.

Definitivamente
não escolhi
carregar sob os ombros
o peso de um planeta
imaginário,
habitado por paranoias
e uma fauna completa
de inúmeras
inverdades
criadas especialmente
para (e por) mim.

Não escolhi
sempre me apaixonar
por meninos:
ou imaturos,
ou distantes,
ou bêbados,
ou apaixonados eles mesmos
por outra pessoa.

Não escolhi
(por que quem em sã
consciência escolheria)
viver de forma avessa
à essa aparentemente popular
inércia emocional,
sentindo tudo com
força demais;
há choro, riso, ódio,
êxtase, dor, abandono.
Exposta às influências do mundo,
e à sua mercê.

Não escolhi,
mas me sinto.
Mas carrego.
Mas me apaixono.
Mas vivo.

Que falta de sorte
a minha.