quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Felipe,

(28 de junho de 2018, 18h38min)

você nunca vai saber todas as coisas lindas que eu tinha pra te dizer. O quanto eu fui apaixonada por cada detalhe do seu rosto, das suas mãos, do seu abraço. Você nunca vai ouvir as minhas juras de amor; juras que eu guardei só pra você. Escondi aquele amor de todas as outras pessoas, e você não faz ideia do quanto isso me custou. Eu nunca prometi amor eterno para ninguém, mas teria prometido pra você. Desde o primeiro segundo em que nossos olhares se cruzaram naquela minúscula sala de aula e eu senti que algo em mim tinha alcançado você. É claro que, como descobri depois, você não teve uma boa primeira impressão, mas ninguém tem. O importante foi quando você também percebeu que eu existia, que estava ali, e que alguma coisa tinha estalado dentro dessa sua cabeça dura.

Por algum motivo, eu acabei de me lembrar de todo o tempo que passamos juntos. Cada tarde que passei na sua casa, fazendo nada, deitada na sua cama ouvindo você falar sobre um bilhão de assuntos diferentes, qualquer baboseira tecnológica, um idioma que você queria aprender, as faculdades que você não queria fazer, o futuro que você não queria viver, as cidades onde você pretendia morar, seu pai, sua mãe, seu irmão mais velho (você não falava muito dele), as aulas ridículas na escola. Eu nunca consegui entender como um cara tão inteligente poderia ter repetido um ano... até agora. Agora eu entendo como aquilo era insuportável pra você. O cara mais inteligente que eu já conheci até hoje. Tão cheio de assuntos, pensamentos, opiniões. A gente discordava tanto que eu nem sei como conseguíamos conviver... mas não só conseguíamos como éramos muito bons nisso. 

Eu tô escrevendo isso sentindo a garganta embargada e os olhos doloridos de segurar o choro. Não acredito que estou chorando por alguém que me machucou tanto quanto você. Alguém me fez sentir burra, que me chamou de mentirosa, que me fez sentir mal por ser quem eu sou. Alguém que me menosprezou e desprezou de todas as formas possíveis, mas principalmente, sabendo quais mais me magoariam.

E pensar que eu me preocupo com você até hoje, seu bosta. Me pego pensando em como você está, onde está morando, se foi fazer uma faculdade, se conheceu alguém. Você me disse que nunca conheceria alguém como eu. Eu também achava que não conheceria alguém como você, mas era fácil demais naquela época. Nós éramos dois extraterrestres em nossa própria espaçonave sobrevoando a cidade e afastando todo mundo que tentava se aproximar, ou adentrar o nosso pequeno mundo particular. Éramos únicos demais. Você, por todas as suas peculiaridades, suas políticas pessoais de Dalton Trevisan, completamente alheio à qualquer forma de interação social que não fosse virtual, lá do alto dos seus quase 1,90m, alto e desengonçado como um bom adolescente, tropeçando nos próprios pés. E sorrindo. 
Você tinha um sorriso lindo.  

Mas nossa, acabei de lembrar daquela festa, aquela em que você quase entrou em coma alcoólico porque tomou álcool de cozinha. Foi a primeira vez que eu te odiei. E esse seria o motivo de eu te odiar várias outras vezes. Eu odiei quem você se tornou, agressivo, debochado, grosseiro, maldoso. Eu não conhecia aquele cara, e não queria conhecer. O primeiro cara bêbado de quem eu cuidei porque me importava, por quem eu me sentia responsável de alguma forma. Eu não era. Nunca fui. Mas eu me sentia, porque apesar de ser apenas sete meses mais velha, eu sentia como se fossem sete anos. Você podia ser uma criança, se quisesse, porque eu sentia que era minha obrigação garantir a sua segurança. 

Se lembra da minha formatura? Você estava lá. Você foi meu convidado de honra. Eu lembro perfeitamente de você vestindo uma camisa social rosa clara, fazendo todo esforço do mundo para me agradar. Naquela época eu já sofria com outros amores, já tinha ódio de outras pessoas, já tinha um ex namorado, mas até então, você nunca tinha deixado de existir dentro de mim. Naquela noite você também bebeu bem mais do que deveria, e eu te levei pra casa. Você me beijou de um jeito horrível e eu quase senti nojo de quem quer que fosse naquele momento, porque não era você. Era um cara imenso, sem noção e bêbado, me segurando mais forte do que o necessário, de quem eu tive que praticamente fugir. Me despedi de você dezenas de vezes naquela noite, da forma mais educada e incisiva que podia, até que finalmente eu tive que me desvencilhar de você aos trancos e barrancos e começar a subir a rua em direção à minha casa, sapatos nas mãos, aquele frio das seis da manhã, o coração apertado e totalmente esgotado. 


(09 de julho de 2018, 11h34min)

Eu tentei falar com você. Alguns dias atrás te mandei uma mensagem na mesma conversa em que você me chama de dissimulada. Aquilo ainda me rasga por dentro. Te enviei meu número de telefone e a ideia de um pedido de desculpas, ou talvez, a sugestão de erguermos bandeira branca e resolvermos essa picuinha adolescente de uma vez por todas. Você não só visualizou como decidiu não me responder. Eu deveria saber, é claro. Conhecendo a peça, não esperava menos. Talvez você tenha alimentado um ódio absurdo pela minha existência e se recuse sequer a pensar numa amizade entre nós. Ou talvez - e na minha opinião, mesmo que eu negue, esse é o pior do quadros - você não se importe comigo o suficiente para se dar ao trabalho de me responder. Talvez toda aquela baboseira apaixonada que você me disse (repentinamente) anos trás fosse exatamente isso: baboseira. Você encontrou outra pessoa, afinal. Talvez ela não preencha esse buraco imenso que existe aí dentro, que você tenta esconder sob essa cara de bravo, seus sarcasmos e sua grosseria, e que finge que pode encher com jogos, álcool, drogas, ou qualquer outra merda. Ou talvez ela preencha. Eu que nunca vou saber.


(21 de agosto de 2018, 18h02)

Encontrei esse texto esperando para ser terminado. Acabo de perceber, sem relê-lo uma outra vez, que jamais será. Não existe final para as coisas que eu quero te dizer. Agora elas já não são mais as palavras de amor que uma Bárbara pretendia lhe dizer, no final de junho. Mutante que sou, já odeio você de novo. Se amei você um dia, e acredito que sim, já passou. O tempo cura qualquer coisa, inclusive a loucura. Eu quero ser cruel com você um dia, como você foi comigo, mas sei que isso é algo que eu nunca vou ser capaz de fazer. Não é porque você me fez sofrer que eu devo fazer o mesmo, não é? Maturidade emocional. É meu novo objetivo de vida. E você se tornou uma lição.

sábado, 8 de setembro de 2018

629 dias

Eu sei
a sua música favorita
e uma lista com as outras noventa e nove
que você gosta de escutar;
os problemas que a tua mãe tem
e que não te deixam em paz;
que você tem medo de perder
pra qualquer pessoa no Fifa;
que você amou ver neve
na Alemanha, uns dois anos atrás;
que você quer jogar tudo pro alto
e fugir pra Europa, mesmo sem dinheiro
e sem companhia;
que você gosta do cheiro de cacau que
tinha uma certa sala silenciosa
na empresa onde você trabalhava;
o motivo desse seu jeito de quem
quer sexo sem sentido,
quando na verdade precisa preencher
um enorme vazio.

Eu só não sei
por que você nunca me deixou
chegar perto o suficiente
para te ajudar
a fechar esse buraco imenso
no seu peito.