terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Mein Kampf

Hoje não sei em quê eu tropecei. Uma velha memória espiando por debaixo da cama, talvez. Botou o nariz pra fora e aspirou fundo, tomando meu ar, me fazendo perder a linha. Esse é, afinal, o maior problema de ter lembranças: quando elas resolvem bater a poeira, dando o ar da graça no nosso presente, nós nos perdemos; eu chamo de suicídio o mergulho que dou no meu oceano infinito de memórias doces, dolorosas só agora. Quase sinto os cheiros, os arrepios, os espasmos.

Na verdade, é uma luta.

Te vejo sorrindo para mim, deitado na minha cama, sem qualquer motivo para querer sair dali. Os braços atravessam os poucos centímetros que nos separam e me puxam, unindo nossos corpos, enquanto um sorriso gêmeo do seu é costurado pelos seus olhos nos meus lábios cansados.
Um gancho de direita incha meu olho.
A garoa forte, que já destruiu meu cabelo, acelera naturalmente nossos passos em direção à minha casa. Nem preciso mais implorar para que você ultrapasse os limites dos portões ridiculamente altos e negros, como guardiões. Fazemos do sofá uma cama, da sala uma casa, da noite uma semana, dos beijos um acordo, das roupas uma bobagem.
Uma joelhada na caixa torácica me quebra uma costela.
Seu cheiro, impregnado na minha colcha, não me deixa dormir. Você está há meia cidade de casa, sozinho, às cinco da manhã, meio bêbado, mas satisfeito, de alguma forma. Disso eu tenho certeza. Levando de volta um pedaço seu que eu adotei por um ou dois dias e fiz questão de inundar com o meu próprio aroma. Uma lembrança minha, goste você ou não. Me acomodo onde seu corpo amarrotou os lençóis e cubro o rosto, embora a adrenalina esteja pulsando atrás dos meus olhos. Ainda sinto sua barba fazendo cócegas no meu pescoço.
Sequência de três jabes entorta meu maxilar.
Ameaço ir embora, e você não toma nenhuma atitude. Dou um passo para trás, lágrimas um tanto forçadas estão acumuladas; me recuso a derrubá-las. Mais um passo para trás... e você estende o braço. Me segura pela cintura. Mal respiramos. Você não diz uma única palavra e eu não tenho estômago para fazer o jogo por muito mais tempo. Tudo já foi dito, agora é só o drama. O adeus que você não deixa acontecer. Me aproximo um único milímetro, um suspiro, e você me puxa, me beija, e de repente estamos tão próximos que nossos corpos desafiam as leis da física, um entrando no outro, a proximidade doendo, mas ainda insuficiente. Nossos lábios não se separam nem por um segundo. Não há mais lágrimas.
Nocaute.

Já estou destruída há vários rounds. Entreguei a luta, afinal, o que posso fazer? Compraram o resultado. Você sai vencedor, eu saio lesionada - o corpo um mar de remorso, o coração uma colcha de retalhos, a cabeça uma caixa de Pandora. É lindo, lindo demais, tudo isso. Para você, que vê de fora, é quase poético. Espero que você não reconheça nem de perto esse meu sentimento sem nome; não o desejo à ninguém.

Vou para o canto do ringue, lambendo minhas feridas. Meu treinador, sem se abalar, me olha quase com orgulho por ter durado tanto tempo. Ele me dá um tapa amigo no ombro, e sua frase final você certamente conhece: "Eu avisei".

Prazo

Eu queria que você me quisesse.
Era um sonho modesto,
um pedido moribundo,
fraco, asmático, tristonho,
sem forças nos ombros.

Um beijo que eu não oferecesse.
Um carinho espontâneo,
que fosse duradouro, pleno,
fora dos meus planos,
todo calmo e sereno.

Te queria sem máscaras.
Viesse como você mesmo
e me buscasse, sem sono
me levasse para cama e
num abraço, me embalasse.

Mas não me enganei.
Você tentava não mentir,
eu tentava não acreditar,
numa hora lago espelhado,
noutra, atormentado mar.

Contei os dias e os meses
até que me perdi.
Deixei a areia escorrer e
a ampulheta tornar real
o tempo que continuava a correr.

Um, dois, cinco, nove,
nasce um filho bastardo de nós.
Você não o quis, eu o neguei.
Chamei-o Paixão, mas pensei
em trocar para Prazo.

Vencemos em julho.
Acabamo-nos havia tempos,
eu negando, você correndo,
as correntes firmes que não quebramos
e a ampulheta a escorrer o tempo.