quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cicatriz

Prefiro descascar minhas unhas vermelhas,
sair sábado à noite sem maquiagem,
esquecer de fazer as sobrancelhas,
cantar em frente ao público sem coragem,
subir na casa e trocar todas as telhas,
esquecer de fechar o portão da garagem;

dançar sozinha no meio de todo mundo,
esperar no frio por uma carona que não vem,
ser confundida com um mendigo vagabundo,
perder a minha única passagem de trem,
ver um amigo doente e moribundo,
ou ficar moribunda também;

tem milhares de tragédias, sejam ou não relevantes,
que prefiro ver acontecer na minha vida;
tristezas que prefiro que aconteçam antes
de deixar cicatrizar minha ferida.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Na beleza do novo

A beleza de se apaixonar por um desconhecido é a descoberta.

Já me apaixonei incontáveis vezes, e imagine só, nunca amei ninguém. A paixão é muito mais bonita e invariavelmente mais indolor que qualquer forma de amor, porque o amor exige demais, e a paixão exige apenas um pouco de tempo. Pouco tempo, é sim. Aquele tempo que você passa sem pensar em nada, é quando você pensa na sua nova paixonite. É bonito, prático, rápido, e geralmente indolor. Indolor. Acredite, essa é a melhor parte.

Não é a primeira vez que sinto falta de uma paixão. As antigas já não suprem minhas necessidades e não há um conhecido que se faça notar. Não sei se é muito piegas dizer isso, mas vou dizer de qualquer forma: "estou cansada dos homens desta cidade; quero novos amores." Piegas. Brega. Previsível, clichê; escrever isso é um absurdo literário. Mas não deixa, em momento algum, de ser uma verdade irrefutável.

Então, peço uma última (ou talvez não) vez que algo aconteça e eu finalmente te encontre. Vagando por essas ruelas maltrapilhas, vestidas com trapos de concreto, relva saltando por suas veias. Me encontra, ou deixa eu te encontrar. Não é um pedido grande o suficiente para ser ignorado, ou é? Assim, difícil, impossível, por acaso? Eu não acho que seja.
Aliás, é bastante simples:
me dá uma direção que eu sigo.
Me dá um nome que eu acho.
Me dá um cheiro que eu lembro.
Me dá um sorriso que eu não solto.

Mas quem tornaria simples uma busca necessária como essa, quando a beleza da descoberta fica ainda mais explícita quando recoberta com lamentações?
"Levei tanto tempo pra te encontrar".
É mentira quando já se sabe onde está, mas a mentira não faz deixar de ser lindas as declarações, por mais falsas, fajutas, por mais desmoronadas, soltas, aleatórias. Não deixam de ser declarações de amor. De mim para você.

sábado, 20 de abril de 2013

Parênteses, apenas

Dentro do vazio que vive dentro de mim, existe alguém. Eu guardei lá no fundo, porque certamente me machucou muito, e eu não gosto mais de sofrer. Acredite, eu gostava. Aquele sofrimento de amor, saudade; sentir um aperto no coração, um arder na garganta, as mãos gelando, as pernas tremendo e o futuro fosco ilegível. Eu amava a sensação de estar apaixonada. Hoje, a abomino.
Sentimento imbecil é o tal amor. De certo, analisando agora, que nunca o senti. Nunca tive um Romeu, ninguém cuja vida equivalesse a minha. Nunca fui Julieta. Ou Isolda. Ou a Helena de um grego e um troiano. A sensação de sofrer por eles já senti, mas não sei como é quando sofrem por mim.

Tudo isso é apenas uma parte em parênteses, é verdade.

Agora, nesse instante, olhando pela janela, tenho certeza de que nunca vivi nada assim, bonito. Sempre vivi momentos, mas nunca vivi histórias. Falando de amor, é claro. E talvez eu nem queira viver. Nas histórias que li, havia sempre uma mocinha, um mocinho, um vilão e espectadores, ali, estagnados, incapazes de colaborar com a menor informação. Algo que o mocinho disse e que a mocinha deveria ouvir, sabe? Aquelas bobagens que a gente vê num filme romântico e diz: "Eu nunca faria isso". Bem, tenho uma péssima notícia: você faz. Você geralmente é o amigo insosso que não disse o que deveria ter dito; a amiga compromissada demais para ter tempo de dizer ao amigo que ele e a amiga se amam; o vizinho que não chamou a polícia quando ouviu barulhos na casa ao lado. Aquela pessoa incompleta, incapaz de se mover e mudar o rumo das coisas.
Simplificando, eu provavelmente nunca serei a mocinha. Serei sempre a vizinha, a amiga, o incapaz. Tudo isso, é claro, falando especificamente de casos de amor. Na vida, é fácil ser a peça principal, mas no amor, talvez seja melhor ficar nas beiradas, assistindo, sendo uma plateia indesejada, até. Quando falamos de amor, o papel principal é o único que eu não quero pra mim.