quinta-feira, 23 de maio de 2019

Mais ou menos nove bons motivos

Todos os dias
logo pela manhã
me pergunto incisivamente
por quais motivos
ainda não pulei
da janela do meu apartamento.

Geralmente concluo
mais ou menos nove
- bons - motivos.

Primeiro:
minha mãe ficaria triste,
e eu não vim pra este mundo
para fazer minha mãe se sentir assim.
Segundo:
meus irmãos sentiriam minha falta.
Terceiro:
meus cachorros sentiriam minha falta.
Quarto:
meus amigos ficariam tristes,
e eu não vim pra este mundo
para fazer meus amigos se sentirem assim.
Quinto:
meus avós ficariam muito tristes,
e eles estão velhinhos demais para
ficarem muito tristes,
especialmente por minha causa.
Sexto:
ainda não me resolvi com meu pai,
e isso o assombraria para sempre.
Sétimo:
eu ainda não fiz um projeto do qual
sinta um grande orgulho.
Oitavo:
muita gente precisa de mim,
e apesar de ser o motivo
de todo meu estresse,
eu jamais abandonaria
meu trabalho pela metade.
Nove:
...

Como eu disse,
mais ou menos
nove bons motivos
todos os dias.

Em algumas manhãs incluo
meus próprios desgostos
e frustrações,
como, por exemplo,
nunca ter deixado
marca alguma no mundo.

Às vezes decido
tirar meu pai dessa lista;
mas esses são dias
em que acordo chateada.
A culpa é mais minha
do que dele.

Num geral
tento me lembrar
de quem me ama
e quem eu amo,
e me lembro
que não quero magoá-los,
não quero abandoná-los,
e que por pior
que seja o sentimento
de existir,
na maioria das vezes
encontro boas razões
para me levantar,
olhar pela janela
e não me jogar dela.

Alguns dias
são mais difíceis que outros,
nem sempre eu consigo,
e aprendi
que tudo bem.