sexta-feira, 10 de junho de 2016

Oi mãe,

como estão as coisas aí? Estou pensando em você.
São 10h18min de terça-feira, 07 de junho de 2016. Estou numa aula estranha, com um professor falando sobre custo de obra; não quero prestar atenção. Eu deveria, sei que você não ia gostar de saber que não estou ouvindo o que esse senhor está dizendo aqui na frente da sala... mas não consigo. Estou preocupada com coisas que tenho que fazer hoje. Tenho que tirar cópia de uns documentos e enviá-los para São Paulo, para poder ver você. Espero que tudo dê certo. Espero que tudo chegue no tempo certo, pra eu poder ver você. Porque eu só quero ver você. Muito.
Te fiz uma carta bonita e uns desenhos coloridos, quero entregá-los pra você em mãos. Não sei como vai ser na hora de dizer tchau, mas eu vou arriscar. É tão difícil...
Como eu te escrevi numa outra carta (eu te escrevo muitas cartas), estou tentando encontrar a minha lição. Todos nós temos uma lição pra tirar disso tudo, nós duas acreditamos nisso. Estou procurando a minha, para cumprir logo o meu propósito nessa situação doida. Pra você poder voltar.
Deus não quer ver a gente sofrendo, mãe. Eu tenho certeza que não. Mas Ele ensina a gente de maneiras estranhas... God acts in misterious ways...
Você me contou que leu minha música, que leu tudo que eu te escrevi. Quero poder cantá-la pra você. No fim, fiquei feliz porque você me contou, muito rapidamente (mais do que eu gostaria) que conheceu uma moça da South Africa, como você disse. Fiquei feliz, eu confesso. Sei que não é a situação ideal, sei que na verdade isso tudo é uma merda, mas eu posso ficar feliz com essas pequenas coisas? Ou devo me conter, não me sentir culpada? Só penso nisso, mãe. Se a maneira como eu sinto sobre as coisas está certa.
Eu estou infeliz porque você está aí. Mesmo. Eu não acho que você seja culpada, eu sei que você não é. Eu não quero você aí. Eu não quero. Eu quero você em casa, me esperando quando eu for pra lá, pra ficar deitada na sua cama com as crianças, pra gente passear de carro, tomar sorvete, assistir filme, fazer almoço; pra você me emprestar um carro e me ensinar a estacionar. Pra você estar lá. Comigo. Com as crianças.
Não foi você. Você não fez isso, não foi sua culpa. Talvez tenha sido sua culpa chegar onde chegou... talvez... mas você não queria nada disso. Ninguém queria.
Isso está sendo bom para limpar a nossa casa. A nossa família. Para separa o joio do trigo, com certeza, para mostrar as verdadeiras faces das pessoas que estão ao nosso redor. É foda, mãe, mas é assim que funciona. Nem sempre é fácil. Aliás, nunca é.
Eu estou indo te ver, mamãe. Fiz tudo que pude, consegui remarcar provas, pegar caronas, enviar documentos, fiz tudo rápido, fiz tudo certo pra poder te ver. Porque ficar sem te ver quando estou aqui é uma coisa, mas saber que não posso te ver em casa é outra...

Sexta-feira, 10/06/2016 - 20h44min

Oi mãe,

mudança de planos. Não vou te ver. O Augusto quebrou o pé, e eu não quero ir sem ele. Que merda. Mas eu enviei minhas cartas por uma carona e espero que você as receba logo. Enviei também dois desenhos, bem coloridos, pra te deixar feliz. Um deles somos nós, mãe. Juntas. Como eu gostaria de estar agora. [É agora que eu começo a chorar.] Estou toda maquiada, vou borrar meu rímel e o delineador que você me deu. Não ligo mais. Não ligo de ficar toda borrada, eu choro o tempo todo. Todas as vezes que eu penso em você e acabo pensando em algo legal que eu queria te dizer, eu choro. Eu choro compulsivamente, eu choro como o Pietro chora quando a Helena bate nele. Não é bom. Me mata um pouco por dentro.
Às vezes eu acho que isso nunca vai passar. Que as coisas só vão piorar. Desculpa, mãe. De verdade, me perdoa por pensar coisas tão horríveis, por não acreditar na justiça do homem nem na justiça de Deus, mas eu me pego pensando nisso, sim. Nessa situação toda durando muito tempo. Em não ter você por perto por muito tempo. 
Cinco anos. Em cinco anos, eu terei me formado na faculdade. O Pietro vai ser um mocinho, e a Helena vai finalmente ser grande. O Augusto vai ter 21 anos, e eu, 25. Você vai ter 47. Quarenta e sete anos.
Sabe por que isso não pode acontecer? Porque você tem que poder ir na minha formatura. E a gente vai ter que comemorar nossos aniversários juntas em 2018, porque teremos idades muito legais. Sabe mãe, daqui dois anos eu vou ter a idade que você tinha quando eu nasci. Então você vai ter exatamente o dobro da minha idade; não é legal? 22 e 44. Eu estou ansiosa pra isso acontecer. Mas você vai ter que estar aqui, pra gente viajar pra São Paulo. Ou quem sabe, pra finalmente irmos pra Paris, juntas, só você e eu.
Me dói pensar nessas coisas, mamãe. A dor é física, eu juro que é.
Eu te amo tanto que me machuca.

[respira, Bárbara. respira.]

Eu não sei mais qual seria a sua reação me vendo aqui. Se você ia me julgar ou se ia me ajudar. Porque sempre foi ótimo tomar umas broncas suas, mãe. As únicas broncas que eu ouço, as únicas que eu aceito. Cê tinha que me fazer tão parecida com você?

Às vezes eu abro seu Instagram e vejo suas fotos. E choro. Quietinha no meu canto, cheia de dor no coração, eu choro. Eu choro pela saudade, eu choro pelos momentos em que eu não consigo olhar além do horizonte. Eu choro por você, eu choro por não ter poder, eu choro por estar triste, eu choro por mim.

Eu vejo nossas fotos juntas e me pergunto por que não existe um jeito de mergulhar naquele momento de novo. E de novo. Eu me lembro de dias tão específicos... das festas. Me lembro perfeitamente de estar me arrumando na sua penteadeira e de não deixar você me maquiar. Não era por mal, mãe, nunca foi. Era só bobeira minha, medo de ficar muito emperequetada, medo de alguma coisa boba dentro de mim. Não era você. Você me deixava linda, você sempre me deixou linda. Quando arrumava meu cabelo ou quando escolhia minha roupa. Você me fez ser linda. Principalmente aqui dentro, mamãe. Se eu tô de pé hoje, é por sua causa.

Por ora é isso. Consegui parar de chorar. Lembrar de você é a dor mais maravilhosa do mundo. Mal posso esperar pra poder ter você em casa outra vez. Eu realmente mal posso esperar... estou cambaleando pra conseguir.

Eu te amo com todas as minhas forças; com a minha alma e o meu coração.