terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Dose de conhaque

Quando Johna entrou naquele boteco de esquina com seu salto 12cm e seu cabelo louro natural, os olhos azuis piscando através dos óculos de grau Gucci, honestamente, quase ninguém à notou. Os homens ali não estavam atrás de uma bela mulher, mas de uma bela dose de algo forte o suficiente para fazer com que sua memória falhasse e eles tivessem momentos de paz interior, só isso.
Johna só foi notada depois da quarta dose de conhaque com limão; sentada na bancada, lendo um livro grosso - talvez 600 páginas? - e tomando suas doses em goles rápidos e curtos. Vladmir (um clichê), o dono do boteco, resmungando em russo, pediu que ela tomasse cuidado. Não gosta mulher aqui, mas não vai mandar embora, ele resmungou. Não fica ruim, que eu ponho para fora então. Johna levantou rapidamente os olhos do livro e encarou Vladmir por mais de cinco segundos. Todos os outros sete homens sentados na bancada pararam com seus copos à meio caminho da boca para observar o desenrolar daquele momento de tensão. Vladmir, quando finalmente se deu conta de que não era apenas uma garota no bar, quis recuar, mas não havia mais tempo. Johna, então, para alívio geral, sorriu e disse: "Não se preocupe (risadinhas). Estou acostumada à esse tipo de tratamento, mas cresci num boteco de quinta categoria muito pior que esse (sorriso simpático). Estou bem e não vou causar problemas."
Desnecessário contar que os sete homens no balcão se aproximaram dela, o que não surpreendeu a nossa jovem amiga, mas a deixou chateada. Queria mesmo terminar aquele livro ainda aquela noite, antes de voar de volta para casa; mesmo assim, fechou seu romance, sorriu e respondeu à todas as - poucas - perguntas. De onde viera, onde crescera e principalmente como assim crescera num bar de pouca categoria, que tipo de moça bebia conhaque, e outras tantas que nem se lembra. Respondeu o que pode, tentando dizer a verdade. Os sete se cansaram de Johna quando ela estava na décima sexta dose, acredite se quiser. Começava a sentir a perna balançar mais do que devia, e fechou a conta. Vladmir foi justo, nem quis cobrar o serviço. Estava orgulhoso dessa moça desconhecida que bebia como um velho cego amigo seu - e seus olhos azuis lhe lembravam tanto o amigo, que o coração do velho Vladmir bateu mais rápido. Ô, saudade. Pagou a conta com mais dinheiro que o necessário, deixou o troco e saiu trotando em direção ao aeroporto.
No táxi, leu as 48 páginas restantes do romance que carregava. Como previra, o mocinho não era bom, o violão era mocinho e o pai da mocinha era amigo do vilão (do vilão mesmo, não do vilão mocinho). A mãe morreu para dar o tom trágico, o pai na verdade não era pai coisa nenhuma (filha do mordomo, de praxe); casou-se com o vilão que era mocinho e viu o mocinho vilão ir para cadeia com o pai de mentirinha. Tudo nos conformes, como Johna já sabia que seria. Fechou o livro com calma, e o guardou na bolsa pequena que carregava. Tentou cochilar até chegar ao aeroporto, mas esse tipo de cidade (grande, cheia de luzes, viva 24h por dia) não permitia um sono leve à ninguém, nem à Johna. Então ela se encostou no próprio ombro e apenas fechou os olhos, esperando seu destino chegar finalmente.
O voo foi tranquilo, a viagem até o hotel, mais ainda. Porém, quando finalmente se deitou, às quatro da manhã, um desespero chegou e se sentou no pé da cama de casal onde ela dormia sozinha.
Vou me casar. Vou me casar. Vou me casar. Vou me casar. A frase ecoou como um grito surdo e inacabado na cabeça de Johna. Não podia acreditar. Ela ia se casar dali uma questão de horas. Horas. Logo, logo seu futuro marido chegaria para pegá-la no hotel, e eles rumariam para a suíte presidencial de outro hotel, um mais próximo da praia onde a cerimônia aconteceria. Deus do céu, eu vou me casar, ela concluiu, sem saber se isso que sentia era alívio, dor, constrangimento ou desespero. Talvez, apenas talvez, fosse felicidade. Não, não. Felicidade não deixava esse gosto amargo em sua boca, nem essa sensação de mastigar metal quente. Felicidade a deixava relaxada, não estática.
Vou me casar.
Vou me casar.
Mas não quero me casar, diabos.
Virou-se para o outro lado da cama. Há anos que esse lugar era ocupado pelo mesmo homem; o homem por quem Johna era apaixonada. Era? Ou ainda é? Ainda é, com certeza. Ela amava Brian. Amava muito. Então, por que não queria se casar? Na verdade, estavam ótimos como namorados, eternos e tenros amantes, vivendo debaixo de cobertas quentes e à base de filmes românticos com sorvete de menta. Por que casamento? Por que agora? Ela não estava pronta.
Johna então só pode pensar em um lugar para estar: no boteco de esquina do qual saíra há algumas horas, onde tomava doses de conhaque e respondia perguntas fáceis. Era disso que ela precisava: uma dose de conhaque. Só isso. Nada de decisões, casamentos, nada de Brian. Apenas... conhaque.

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