domingo, 13 de agosto de 2017

Manual do relaxamento para momentos de crise existencial ou de ansiedade e talvez até de pânico

Primeiro, vá tomar um banho quente. Aqueça todos os seus membros pesados com a água corrente e se permita relaxar. Nem me diga, é quase impossível entrar num estado que não seja o de alerta total, mas você consegue. Respire fundo. Fundo mesmo. Sinta seu estômago inflar de ar, seus pulmões expandirem, sinta seu corpo recebendo oxigênio, sinta seu diafragma crescendo e diminuindo devagar. Sinta seu corpo... e não o odeie.
O segundo passo é lembrar que você é quem você é e não há nada nem ninguém que possa mudar isso. Você é a sua própria consciência, habitando esse corpo, pelo resto da sua vida. Respire fundo, sinta-se de novo. Mexa os dedos dos pés um por um, se puder.
Feche os olhos. Mergulhe nessa escuridão confortável, ouça apenas o som repetitivo da água batendo no azulejo. Abra a boca e puxe o ar. Sinta a umidade do chuveiro invadindo sua garganta e aquecendo você por dentro. Sinta seus ouvidos zumbindo e seu cabelo coçando. Sinta as juntas dos dedos das mãos comprimindo e tracionando quando você os mexe debaixo d´água. Passe as pontas dos dedos pelas suas unhas, depois passe as unhas pelos braços. Sinta suas mãos, molhadas e quentes, com calma. Isso tudo é você. Cada detalhe é você.
Depois, abra os olhos. Olhe para a sua barriga protuberante que te incomoda há anos, mas que você prefere manter, como uma velha amiga inconveniente, mas ainda sim, uma velha amiga (porque botá-la para fora e mantê-la lá daria muito trabalho). Olha para os pelos que você já não tira há algum tempo, e que cresceram bastante, e tudo bem. Olhe para as suas unhas dos pés, que estão precisando de um corte, e lembre-se de fazer isso mais tarde. Olhe para cada pedacinho de pele da sua cintura pra baixo, a vermelhidão que a água quente pode causar, as dobras dos seus joelhos. Concentre-se em você por um instante, e respire bem fundo outra vez.
Pegue seu sabonete e use-o para sentir seu corpo mais do que limpá-lo. Comece pelos seus pés, seus dedos, os vãos deles. Seus tornozelos, sua canela, sua panturrilha. Faça círculos nos seus joelhos com os dedos. Ensaboe suas coxas, uma de cada vez, na frente e depois atrás, com muita atenção. Passe a espuma pelas suas partes mais íntimas, e também nessa bela bunda que você tem. Antes de ensaboar sua amiga barriga, passe o sabonete pela sua lombar e perceba como massageá-la levemente te ajuda a relaxar. Sinta seus músculos.
Mova suas costas sob a água quente. Sinta suas omoplatas e movimente-as como puder, talvez fazendo movimentos circulares com os ombros. Faça uma boa quantidade de espuma e massageie esses ombros cansados, que carregam toneladas invisíveis. Desça até suas costas, o quanto alcançar. Passe as mãos pela nuca, massageie sua coluna. Tudo devagar. E lembre-se de respirar.
Esfregue seus braços, os cotovelos, todo seu antebraço, seus pulsos, seus dedos das mãos, um por um. Abra e feche as mãos algumas vezes, sinta todas as suas juntas. E não esqueça dos sovacos. 
A essa altura, você já deve estar se sentindo um pouco melhor. 
Lave seu peito, com carinho. Se forem seios, mais carinho ainda. Com quaisquer defeitos que você possa atribuir à eles - pequenos demais, grandes demais, com estrias demais, sensíveis demais -, são seus. Cuide deles. E depois, esfregue seu pescoço. É ele quem sustenta essa cabeça cheia de problemas e pensamentos, imagina só o trabalho que isso dá. Esfregue com delicadeza suas orelhas, sejam elas grandes, pequenas, de abano, com muitos piercings ou sem furo algum. 
Agora, ensaboe seu rosto. Seja gentil. É você, sempre será você, então é melhor cuidar do cartão de visita. Massageie as bolsas que você carrega debaixo desses olhos cansados. Sinta suas bochechas, sua testa, sinta suas têmporas. Massageie. Devagar e com muito cuidado. Esse é o seu rosto. Passe pelo queixo, pelo nariz, e por essa parte onde crescem os bigodes. Alise suas sobrancelhas, feche os olhos e deixe a água correr pela sua pele. Respire fundo.
Continue respirando fundo. 
O vapor está inflando seus pulmões.
Você está vivo.

As coisas não vão melhorar magicamente depois desse banho. Seus problemas não vão desaparecer. As soluções não estarão esperando por você em cima da mesa, e não chegou nenhum cheque milionário no seu nome pelo correio. A única coisa que pode acontecer é você se permitir tomar uma distância para observar o que quer que esteja acontecendo. Respire. 
Oxigênio nos pulmões, espaço na cabeça. 
E segue o baile. 

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