sábado, 1 de janeiro de 2011

Chance

Eu sabia que jamais teria outra chance. Você passou por mim, e eu me recusei a olhá-lo nos olhos. Como pude? Você me olhou, e os meus olhos não precisaram encontrar os seus para sentir sua doçura pairando sobre mim, um pedido de desculpas implicito no sorriso colado em seu rosto. Seus lábios, e eu nunca havia percebido, eram realmente rosados. Engraçado. Digo, engraçado eu nunca ter notado.

Você seguiu na direção contrária a minha. Como num filme, a multidão vinha contra mim, uma onda de massa corpórea empurrando-me de volta ao lugar do qual é queria desesperadamente fugir. Mas então, e eu finalmente percebi, era pra onde eu devia ir, não? A multidão. Seguir o fluxo... seguir você. Te encontrar. Falar com você. Te dizer o que pesava meu corpo e trancava minha garganta. Palavras simples; palavras desnecessárias. O ato sim seria importante. Eu me virei e, decidida como sempre, corajosa como nunca, comecei a andar. Meus passos pareciam curtos demais, as pernas pesadas demais, e eu não conseguia te encontrar. Mas você estava lá, andando no seu ritmo mais elaborado, observador da vida ao seu redor. Com a latinha numa mão e a outra no bolso, notei o quão pequeno você é. Engraçado, eu também nunca havia notado isso.

Eu caminhei. Minhas pernas de repente ficaram leves como penas, meus passos rápidos como o vento, e a minha coragem diminuiu. Eu não vou me humilhar de novo, pensei. Mas vale a pena. Estendi o braço e meus dedos roçaram seu ombro. Não sei se você apenas não sentiu, ou se ignorou, mas eu tive que dar mais um passo e puxar seu ombro. Com um movimento leve, virei você para mim. Mas se eu olhasse seu rosto, aquele olhar matador, eu perderia a coragem, e sairia dali apenas, correndo. Então eu puxei seu rosto, dei mais um passo, e nossos corpos se colaram. Seus olhos pararam de procurar os meus e nossos lábios se tocaram. Mas quase no mesmo instante, eles se separaram. Você virou seu rosto, e sua boca agora procurava meu ouvido; você murmurou alguma coisa. Poucas palavras, que eu nunca vou esquecer. Bá, não me entenda mal, eu quero mesmo ficar com você, mas eu tenho medo. Medo?, perguntei. É, medo. Medo de perder você, de perder a amizade que a gente tem. Primeiro, eu pensei: ele quer me dar um fora de uma forma gentil, cool. Depois, pensei: o filho-da-puta está me dispensando. E então caí em mim: ele estava falando sério. Eu não conseguia me lembrar de quantas vezes você dissera que me amava, e que eu não fazia idéia do que eu significava para você. Por um milésimo de segundo, imaginei se você estaria falando sério, todas aquelas vezes, mas nem precisei pensar demais. Eu já sabia. Você estava.

A minha noite acabou ali, quando você me deixou no meio da multidão. Ou melhor, quando eu te deixei. A última coisa que você me disse antes de eu me virar foi: me dá um tempo pra pensar. Porque a última coisa que eu te disse antes de você me dizer isso foi: você tem que confiar em mim. Nada vai mudar. E eu acreditava nisso. Eu sabia que nada mudaria. Mas você não confiou. Pediu o tempo, segurando meu braço, sabendo que se me soltasse, eu iria embora. Eu só disse - e nem sei se queria que você ouvisse -: Deixe quieto. Esqueça. E você devia ter esquecido. E provavelmente esqueceu. Mas eu não. Fiquei tão chocada por você ter resistido à mim que decidi esquecer você. Para sempre. Nunca mais pensar em você, era isso. Obviamente, eu sabia que não conseguiria. Só tentar te esquecer já doía. Fisicamente. Então eu me recolhi ao banheiro, deixei escorrerem duas lágrimas, sequei-as, sentei-me direito e esperei. O quê? Eu não sei. Mas eu esperei alguma coisa por sabe-se lá quantos minutos. Então chegaram no banheiro duas ou três das minhas amigas, minhas acompanhantes daquela noite. Eu me levantei, e fui com elas.

Não me lembro direito do que houve depois, mas me lembro de uma coisa:me lembro de ter estragado de vez a minha noite. Eu estava com as meninas, perto da saída. No meio do salão, a pista de dança. Você estava ali, paradinho, a lata provavelmente vazia em sua mão, e adivinha onde a outra [mão] estava? No bolso, onde mais?!... Ao seu lado, porém, estava uma pequena beldade: cabelos longos escuros, uma pele morena, vestido curto justo, toda linda. Você se inclinava para ela, e a cada palavra que eu te via dizer a ela, o meu coração dobrava as batidas. Eu queria ir até lá, gritar que você me pertencia, mas adivinha só? Você não me pertencia. Eu não tinha direito algum sobre você. Fixei meu olhar em sua nuca e jurei nunca mais falar sobre o que houvera, sobre o beijo roubado, sobre nós. Jurei que para sempre seria apenas eu e você. Separadamente. Mas foi uma promessa em vão, pensamentos que ficariam apenas em pensamentos, mesmo. Eu te queria demais naquela noite para simplesmente te esquecer.

A pequena beldade se foi, e demorou a voltar. Eu tinha, novamente, apenas uma chance. Uma única e solitária chance, e eu iria usá-la. Eu estava em tal situação mental que não estava apta a decidir o que era o correto, o que dizer e principalmente, como agir. Então eu só segui meus instintos mais naturais e primitivos, deixando que o destino brincasse de Deus. Caminhei decididamente até você, mas juro por tudo que há de mais sagrado, eu vacilei. Eu hesitei. Mas continuei, porque eu não medi as consequências naquela noite. Cheguei ao seu lado, e meu braço, que pendia ao meu lado, podia muito bem ter sido colocado ao redor do seu pescoço, como eu sempre faço quando te vejo, mas não. Eu não quis seguir o protocolo, e fingir que nada tinha acontecido. O meu braço ficou ali, ao meu lado. Então eu me inclinei sobre, tentando ao máximo não tocá-lo, e falei no seu ouvido: "Era só você ter dito que havia outra menina." Pronto. Eu tinha feito. Estava pronta para girar na ponta dos pés e sair dali antes que me desse conta do meu erro, mas você gritou de volta: "O quê?" Ah. Aaaaah. Eu ia ter que repetir? Pois bem, agora já está feito, pensei, satisfeita. "Era só você ter falado que tinha outra garota." Engraçado como eu me lembro exatamente do que eu disse. E-xa-ta-men-te. Quando terminei de falar, ele se virou para mim e eu jurei que ele ia, sei lá, fazer alguma coisa. Mas ele não fez. Ele me mandou um olhar matador de cachorro-sem-dono e disse: "Bárbara, não tem nada a ver." Ah, claro. Era claro. Eu sacudi a cabeça, e saí de perto. Fui para junto dos meus amigos descomplicados e fáceis, fugi do que eu queria. Eu não me arrependo, sabe, mas eu... Não sei. Sinceramente, eu não sei.
Tudo que eu sei, foi que a minha noite acabou por ali. E as lágrimas vinham, mas eu não as deixava escapar.

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