domingo, 5 de agosto de 2012

À minha esquerda

O rapaz à minha esquerda segurava meus dedos com certo desespero. Amigos são pra isso; "aperte minha mão o quanto precisar, eu estou aqui". O outro, à minha direita, tinha olhos bonitos. E eu achei melhor avisá-lo do fato.
O rapaz à minha esquerda estava muito mais bêbado do que deveria, mas o que eu podia fazer? Já era muito bom que estivesse apenas bêbado. Mas ele continuava com aquele olhar perdido que tirava o meu rumo e também o meu sossego. Como se procurasse uma forma de fugir. E existem tantas...
Mas o rapaz à minha esquerda é muito mais forte do que eu julgara a princípio. Ele disse não, ele preferiu minhas mãos quentes e um pouco de grosseria. Eu queria poder abraçá-lo e garantir-lhe que, pela manhã, mal se lembraria de tudo e esta teria sido apenas mais uma noite, mas o amanhecer se aproximava de forma rápida, e eu não queria mentir. Nem poderia, na verdade. Ele saberia. Ele já sabia.

À minha direita, os olhos bonitos foram tomados pela vermelhidão típica, mas a conversa não perdeu o rumo. Havia algo de verde naquele olhar tranquilo. Talvez seja italiano, pensei. Muito branco e muito barulhento. Quando gritou com os amigos, tive certeza: italianíssimo.

Mas naquela mesa de bar, àquela hora da manhã, eu já não podia deixar de perceber que o rapaz à minha esquerda se fechava mais e mais contra sua própria vontade. Algumas risadas escapavam da boca cerrada, mas ele já piscava mais devagar e começava a se entregar. Não ao sono, não ao cansaço, não ao álcool corroendo suas veias. Começava a se entregar àquilo que lhe tomava as forças, algo sem nome, sem cor e sem cheiro, mas com uma força inacreditável. Eu apertei seus dedos, senti sua pulsação, tentava salvá-lo. Mas não podia. Não ali.
" Vamos?", convidei. "Tenho que ir embora em duas horas."
Ele sorriu. Não entendi esse sorriso.
Nunca entendo seus sorrisos.

Caminhamos pelos paralelepípedos à luz de postes elétricos, de mãos dadas por causa do frio, eu com a camisa dele.
Porque, apesar de tudo, ainda existe o cavalheirismo.

Conforme o caminho surgia e nosso destino chegava, eu ia criando uma consciência plena de que estávamos bem. Estava tudo bem. Nossos dedos entrelaçados eram muito raros, porque eram apenas dedos entrelaçados, sem entrelinhas. Estávamos em paz.
Mas é claro que quando a calmaria é grande...
Tinha que ser eu. Ele era bom demais e amigo demais e talvez até estivesse bêbado demais para perceber que eu resistia com força à tudo que me atirava naquela direção. Mas eu estava mais fraca, e num momento de loucura houve um deslize, um delírio, e acabou. Eu tinha feito.
Ele riu. Aquela risada que eu não decifrava, o sorriso que eu não entendia.
Usou um termo que eu não gosto para descrever erroneamente uma situação que eu havia causado. Tudo errado. Estava tudo errado. E, pra piorar tudo, ele deixou.
Por que ele deixou?

Na mesa do boteco eu anunciara à quem quisesse ouvir que havia um combinado. Um combinado que era nada mais que um limite. Algo que eu impusera. E agora, eu o quebrara.
Com ajuda.
Éramos dois idiotas.

Resolvido o problema e enterrado ali, naquela esquina, seguimos caminho.
Havia uma garçonete. Alargadores, cabelo ruivo, chopp grátis.
E havia ele, meu companheiro de boteco. Eu o entregaria nas mãos de quem derramava chopp bar adentro. Sem remorso, sem dor. Apenas alívio. Ela era boa com as mãos.

Não se passaram dez minutos. Eu juro pelo que há de mais sagrado.
O deixei na porta do bar, nos braços da ruiva, com seu sorriso gentil e seu jeito de menina. E ele, sorridente - como sempre. Desejei boa noite e virei para o outro lado. Desci o quarteirão e, sem pensar duas vezes, entrei. Subi o elevador, com sua velocidade super sônica, e logo estava dentro do apartamento, procurando um lugar pra dormir. Haviam corpos demais pelo chão, poucos colchões - e de repente, o interfone. O porteiro anunciou o nome de quem devia estar em mãos que derrubam chopp. Mandei subir, sai do apartamento e fui esperar no elevador. Haviam dois motivos: 1) eu queria saber por que estava voltando tão cedo e 2) não podia deixá-lo fazer qualquer barulho.
Quando a porta do elevador abriu, ele veio de cabeça baixa, muito rápido. Ficou surpreso por me encontrar ali, esperando.
- O que você está fazendo aqui?
- Vim pra você não poder fazer barulho.

Ele tomou minha mão e seguimos corredor adentro.
Entramos no apartamento, e eu disse "Fique quieto."
Depois disso, ficou tudo escuro. E tenso. E embaçado.
Eu já não sentia. E eu lutava muito contra, enquanto meu corpo clamava; clamava pelo calor. Pelo toque. Pela proximidade.
Ouve uma explosão, e ele sorriu.
Ele sorriu, e eu finalmente entendi seu sorriso.


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