domingo, 25 de março de 2012

Ela não queria batatas no forno

Está com 27 anos.
Ela sempre se imaginou morando em um apartamento pequeno, talvez uma cobertura barata, de paredes velhas, tijolinho à vista, com janelas imensas de vidro; um espaço de uns 200 metros quadrados sem divisórias. Uma banheira antiga, uma cama de mola, umas cadeiras e vários quadros grandes nas paredes. De preferência fora do Brasil. Não precisava ser New York nem Paris; ela aceitava uma cidade pequena, com poucos prédios, um jornaleco onde trabalhar e ruas tranquilas por onde pudesse passar de madrugada, sozinha, sem temer a próxima esquina. Imaginava-se solteira, com talvez um amante de quintas-feiras. Seria amiga do dono do café, que saberia de cor o seu pedido, um cappuccino açucarado e talvez até um biscoito de baunilha para acompanhar.

Mas ela se encontrava no segundo andar de sua semi-mansão, luxuosa, vista para o mar. O filho mais velho batia em qualquer coisa de metal no quarto ao lado, enquanto o mais novo gritava por comida, lá na cozinha. Ela estava cansada, mas ninguém entendia, afinal, o que uma dona-de-casa faz que a deixa tão cansada? Olhou para o relógio: 18h02. Ele ia chegar à qualquer momento, e não havia terminado de assar as batatas. Se as malditas batatas não estivessem prontas, sabe-se lá Deus o que ele ia quebrar dessa vez; ela torcia para que não fosse outro osso. Aumentou a temperatura do forno no mesmo instante em que ouviu o porteiro eletrônico sussurrar em sua voz metálica que o portão havia sido aberto. Tarde demais. 18h04. Não havia mais tempo. Colocou as panelas na mesa, espalhou os talheres e gritou para os meninos descerem. 18h06. Devia ter ido direto para o quarto, tirar os sapatos de $2.000 que tanto gostava. 18h07. As batatas continuam no forno. "Mulher!", ele grita, e o coraçãozinho frágil dela pula para a garganta. "Mulher", não, por favor. Mal sinal. "Está surda? Suba!". Ela esconde o desespero entre os cabelos curtos cacheados, arranca o avental de linho numa puxada e sobe as escadas. Não sabe o que é pior: demorar para chegar, ou chegar. Ele está com o blazer na mão, um sorriso irônico no rosto. "Feche a porta". Ela nem se vira: estica a mão e fecha a porta de madeira maciça, pronta para mais uma sessão rápida de sofrimento.
As batatas ainda estão no forno, e ela só queria estar num apartamento de 200m², com janelas grandes de vidro e uns quadros pelas paredes.

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