terça-feira, 20 de agosto de 2019

Amargo

Primeiro de agosto de dois mil e dezenove

Cê não sabe quantas vezes planejei minha despedida nos últimos treze dias. Toda noite me preparo para te dizer adeus; adeus à tudo que finjo que você representa, adeus às nossas conversas infindáveis, adeus à esse conforto que encontrei na sua compreensão profunda de tudo, absolutamente tudo sobre mim. É injusto. Não pode haver alguém no mundo que me leia com tanta facilidade. Alguém que ria junto comigo exatamente das mesmas palavras. Alguém que possua tanto poder para me magoar como você, agora, neste instante. Não posso permitir que você exista, entende? A sua presença no meu cotidiano é uma afronta à todos os cuidados que tomo para nunca mais ser machucada. Passei anos erguendo estes muros, e pra quê? Você chegou carregando todas as chaves.

As lágrimas contidas me ardem os olhos e o grito que jamais atravessará minha garganta queima todos os meus órgãos. Saber que você está tão próximo e permanece intocável é o suficiente para me fazer querer beber um vidro de veneno. Mas eu entendo. Sou consciente — ou procuro ser, juro por deus — sobre minha aparência e minha personalidade. Sei que sou, na melhor das hipóteses, intragável. E por isso, me choca você ainda não ter desaparecido da minha vida, com uma desculpa qualquer, ou sem desculpa alguma. Puf, e nunca mais. Já aconteceu antes, não me surpreenderia se acontecesse outra vez. Todos os dias me convenço de que você está na verdade aguardando o momento certo para dar adeus e nunca mais voltar.

É difícil, porque suas lágrimas marcaram minha memória como tatuagens, e hoje sei que você será mais uma dolorosa história anotada à tinta e lágrimas por diversas folhas soltas pelos meus cadernos. Me sinto exposta, porque você sabe de tudo isso, e eu tive certeza, no momento em que abri a boca, que você evaporaria no segundo seguinte; mas não aconteceu. Por quê? Por que você insiste em me contar suas tristezas e pensamentos completamente aleatórios? Por que me manda fotos da sua família? Por que ainda me lê seus textos e mostra suas anotações maldosas [ainda que bem intencionadas]? Por que se desgasta gravando áudios quilométricos, explicando toda e qualquer coisa, para ter certeza de que estou prestando atenção? Por que você aparenta se importar? Por que aceita meus convites para beber, e se empenha tanto em me fazer gostar das músicas que você gosta? Por que você me faz sentir importante, se em breve eu não serei mais que uma brisa nas suas lembranças? Em menos de duas semanas, haverá uma nova no meu lugar. Eu sei disso.

Mas nada, absolutamente nada disso importa. Eu não vou dizer adeus. Eu não vou embora. Não posso. Você cresceu raízes e eu não tenho força para arrancá-las; me faltam ferramentas, me falta vontade. O amargor da sua ausência seria muito maior do que estou disposta a experimentar, especialmente neste momento da minha vida, quando até a mais doce das companhias me parece tão insossa. Você é isso; é a pimenta adicionada aos ovos mexidos, é o vinho claro demais durante a tarde, o adocicado suave da cerveja que eu gosto. 

É óbvio que me pergunto o tempo todo se você percebe a maré subindo e baixando dentro de mim; se você nota o quanto eu observo todos os seus movimentos, o quanto eu temo pelo momento em que você finalmente cairá em si e me expulsará da cadeira na sua porta, do seu apartamento, das suas fotos, do teu lado no sofá batido, do seu telefone, da sua vida. É como se eu estivesse segurando o fôlego desde o primeiro momento em que trocamos um riso cúmplice. Desde então, tudo é apenas um instante antes do fim.

Vinte de agosto de dois mil e dezenove, 21h10

Te deixei para trás e não sei como não me desfiz em lágrimas quando o "Tchau" escapuliu desses meus lábios falsos. Amaldiçoo todos os meus sentimentos. E o dia em que te descobri linda carcaça. 

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