segunda-feira, 25 de maio de 2020

L'over

Memórias não mudam, não se transformam,
continuam, concretas.
Nada me tira a beleza das pequenas coisas,
o aroma da flor, o som do silêncio.

Muda-se porém a perspectiva;
há temor onde havia ânsia
e o brilho nos seus lábios não desperta
as borboletas que habitam minhas entranhas.

Palpitações ritmadas como as músicas
que encantaram nossas madrugadas.
As faíscas dos nossos olhares
hão de acender meu último cigarro.

Acordou meus monstros com seu suspiro morno,
soprou para longe meu pesar,
e com suas mãos de nuvem
roubou as batidas do meu peito.

Silenciosa, estática, morta
observo pelos vidros sujos
o passar dos dias e das noites
esperando por um sinal do passado.

Aguardo seu retorno. Chega de mentir.
Qual o propósito em negar
meus sonhos secretos?
Apenas mantenha em segredo, por favor.

Memórias não mudam, não se transformam,
e não se repetem.
Cada segundo é único; a experiência
não se repete, jamais, da mesma maneira.

Seu toque jamais será elétrico como foi;
o café não terá aquele mesmo sabor.
Seus olhos terão um sorriso diferente
se é que os verei outra vez.

*

Quem poderia prever que sua tão breve existência
nas páginas rabiscadas da minha história
seria tão profunda, tão dolorosa,
que hoje vejo sua sombra em todas as palavras.

Lendo Focault penso em você.
Ouvindo Kevin Abstract lembro de você.
Vendo os carros pela janela, sinto você.
Existindo, quero você.
Resistindo, esqueço você.

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