segunda-feira, 12 de março de 2012

Cheiro de chuva é coisa de interior

- Está sentindo esse cheiro?
- Que... que cheiro!?
- Esse cheiro de chuva. Você não tá sentindo?
- Cheiro de chuva? E desde quando chuva tem cheiro?
- Lá na minha cidade tem.
- Lá vem ela...
- E aqui também, mas aqui fica cheirando a asfalto. Lá cheira terra.
- Ah, menina, você é muito caipira.
- Pelo amor de Deus, use o seu olfato. Sente esse cheiro.
- Não tem cheiro nenhum.
- Você não sabe sentir cheiro, rapaz?
- Cheiro de terra? E eu lá vou querer sentir cheiro de mato?
- Quando você for comigo pra minha cidade, você vai entender.
- Nunca vou entender.
- É o melhor cheiro do mundo.
- E desde quando qualquer coisa relacionada a chuva é boa?
- Chuva é ótima.
- Nem sei como está chovendo, tava um sol horrível agora há pouco...
- Meu Deus, que cheiro bom.
- Para de falar desse cheiro de interior.
- O cheiro é de terra. De chuva, na verdade.
- Nem você sabe.
Olham através da janela da sala de aula. Estão no quarto andar. Ela sorri para as ruas asfaltadas e observam o cinza se tornar preto debaixo dos pneus dos carros.
- Sempre que chove, alaga algum lugar.
- Não é bem assim.
- É sim. Chuva só traz coisas ruins para as cidades.
- Ouve o que você tá falando, cara.
- É sim. Devia chover só no sítio.
- E como é que nós íamos nos refrescar? Olha esse calor infernal! Agradeço pela chuva, valeu São Pedro.
- Você é muito do sítio, mesmo.
- E você é muito urbano, não dá valor.
Um minuto de silêncio, enquanto ele via ela sorrir de novo, os olhos piscando pesado, a alegria guardadinha no coração cheio de saudade de casa.
- Lá... você saia na chuva?
- Sempre que podia.

Ainda está chovendo quando eles descem as escadas, e quando chegam no ponto. Ele entra no ônibus, mas ela continua a pé. Ele pensa em chamar, em dizer de novo que ela é louca, mas sabe o quando importa ter um pedacinho de casa por perto. O pedacinho dele acabava de dobrar a esquina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário