Se eu disser que sinto falta do tempo em que caminhava com
segurança pelas ruas de qualquer cidade, é mentira. É mentira, porque nunca
vivi tempos assim. Sempre vivi com medo. Moro numa cidade pequena, interiorana,
onde vejo apenas pela televisão crimes que me tiram o sono à noite. Não moro em
São Paulo nem no Rio de Janeiro, mas tenho medo das favelas. Por quê? Porque
foi isso que me ensinaram. Também me ensinaram a temer quem caminha muito
próximo a mim nas calçadas largas dos grandes centros, a desviar de um grupo de
homens, a olhar torto para qualquer um que me encarar por algum tempo e nunca
tirar o celular do bolso enquanto ando à noite. O quanto disso é certo ou
errado é irrelevante. Note qual é a lição implícita nos comportamentos que me
foram ensinados: tenha medo do próximo.
Segurança pública, no Brasil, é lenda. Não importa que te
digam “Pode ir tranquilo”, você não vai. Ou não deveria. Ser assaltado, ter seu
celular (que você parcelou em 12 vezes no cartão, porque é absurdamente caro)
roubado, ou perder o troco do ônibus, essas coisas têm conserto.
Mas e se o cara que te parou para roubar seu celular
resolver que não é só isso que ele vai levar de você?
Seja você um homem ou uma mulher, o medo existe. Você teme
pela sua integridade física; você pode ser violentado, você pode ser
violentada. Você pode ser espancado ou espancada. Você pode ser assaltado ou
assaltada, roubado ou roubada, estuprado ou estuprada, assassinado ou
assassinada. Estamos sujeitos a essas situações por que...? Não sei o porquê,
não sei o motivo. Nem sei como foi que chegamos nesse estágio de insegurança. Não
sei quando foi que se tornou mais comum se tornar um bandido que arranjar um
emprego. Sempre foi assim? Também não sei. A única coisa que eu sei é que é difícil
demais viver assim. Estamos chegando a um nível insuportável. E o que mais me
assusta não é levarem o meu dinheiro... é levarem a minha integridade física. Não
tenho medo de entregar meu celular, tenho medo de entregar a minha dignidade, a
minha posição de cidadã. Tenho medo da agressão. De todas as agressões.
Nenhuma forma de violência é justificável.
Não bata com uma lâmpada num gay pela orientação sexual
dele.
Não espanque um negro porque ele cometeu um crime.
Não estupre uma mulher porque ela está mostrando o corpo.
Não é concebível uma conversa em que alguém diga “Aquela
mulher mereceu ser estuprada, você viu como ela se insinuou, com aquelas
roupas?”, assim como não existe “Aquele menino mereceu ser preso ao poste e espancado,
ele roubou!”, ou “Aquele gay mereceu ser surrado até morrer, ele namora outro
homem!”.
Não cabe a você julgar o próximo, muito menos puni-lo. Não cabe
a você decidir o que será feito com a vida de outra pessoa.
Sinto que estamos numa bomba-relógio, crescente e pulsante. Governantes
relapsos, polícia submissa e impotente, um povo enfurecido... e os olhos do
mundo virados para nós. Alguma coisa vai acontecer. Não se sabe ao certo o que,
nem quando. Mas vai.
A hora de gritar é agora.